A Defensoria Pública do Amapá (DPE-AP) evitou que mais de duas mil pessoas se vissem obrigadas a dormir na rua em Oiapoque, ao obter a suspensão da ordem liminar de reintegração de posse que estava prevista para a última segunda-feira, 15. A atuação da instituição foi fundamental para garantir o direito à moradia dessa população e impedir uma grave crise humanitária no município.
Segundo estimativa do IBGE, Oiapoque tem 30.786 habitantes. A medida, concedida em resposta a recurso da DPE-AP, impediu que 6,5% da população do município fosse afetada por uma desocupação forçada em um território ocupado há cerca de 16 anos, onde já existem seis bairros consolidados.
Se fosse executada, a reintegração de posse teria um efeito sistêmico sobre a cidade. A própria Justiça chegou a expedir ofício alertando o Hospital Estadual de Oiapoque sobre a alta probabilidade de confrontos com as forças de segurança pública, o que poderia demandar atendimentos de emergência, sinal claro do risco à ordem pública e à integridade das pessoas.
Atuação - O defensor público Carlos Marques, coordenador do Núcleo Regional de Oiapoque, explicou que a Defensoria só tomou conhecimento da reintegração em 11 de setembro, embora a decisão tenha sido proferida em agosto. Como os moradores estavam representados por advogados particulares, a instituição não havia sido intimada.
A liminar da 1ª Vara de Oiapoque autorizava a remoção de construções e benfeitorias, utilizando inclusive o uso da força policial, o que reforçou a gravidade da ameaça às famílias. Além disso, os 200 hectares em litígio pertenciam à União e foram repassados ao município para programas habitacionais, logo, a terra sendo ocupada por moradias atende a finalidade para qual foi prevista.
A DPE-AP entrou com um recurso destacando a necessidade de sua participação obrigatória em ações que envolvem populações vulneráveis para garantir o devido processo legal fundiário.
“Estamos falando de uma área com mais de 200 hectares, onde já existem núcleos urbanos informais consolidados, ocupados há anos por diversas famílias. Essas pessoas precisam ter assegurado o contraditório e a regularização fundiária deve ser discutida com responsabilidade social. Nos habilitamos no processo para atuar de forma coletiva em defesa da comunidade”, destacou o defensor Carlos.
A atuação da Defensoria foi realizada em conjunto pelo Núcleo de Oiapoque e pelo Núcleo de 2ª Instância de Tribunais Superiores, coordenado pelo defensor público Jefferson Teodósio, que reforçou para o Tribunal de Justiça a necessidade de suspender a medida, pois a execução da reintegração, da forma como estava planejada, colocava em risco a segurança e a dignidade de quase 600 famílias.
Na decisão, a Justiça reconheceu que a liminar não observou as etapas obrigatórias previstas pelo Supremo Tribunal Federal e pelas normas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como inspeções, audiências de mediação e diálogo interinstitucional. A ausência de um plano de reassentamento digno para as famílias também foi considerada um grave problema.
Glauciane da Silva Natividade, 49 anos, que mora na área desde 2019, relatou que os moradores não foram sequer comunicados sobre a reintegração. “Fomos todos pegos de surpresa. Ninguém sabia que seríamos retirados à força, nem que a Prefeitura tinha entrado com essa ação contra a comunidade. Por isso buscamos o apoio de advogados e da Defensoria Pública”, contou.
Além de obter a suspensão imediata da ordem, a DPE-AP solicitou a atuação da Comissão Regional de Solução Fundiária, instrumento que tem o objetivo de promover a mediação e a conciliação em conflitos coletivos dessa natureza. A medida fortalece a busca por uma solução dialogada e pacífica, que respeite tanto a coletividade atingida quanto os interesses institucionais do município.