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29/08/2025

Visibilidade lésbica: Entre o apagamento e o direito à cidadania plena

Fonte: Migalhas
Vanessa Alves Vieira
Coordenadora da Comissão da Diversidade Sexual da ANADEP
 
O mês de agosto demarca, no calendário da luta por direitos da população LGBTQIAPN+, duas datas de fundamental importância: o Dia do Orgulho Lésbico (19) e o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica (29). Ambas as efemérides nasceram da necessidade de conferir visibilidade a mulheres historicamente submetidas a um duplo apagamento: na sociedade em geral e, não raro, dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+. Elas seguem enfrentando a lesbofobia, a invisibilização e a sistemática negação de direitos.
 
O dia 19/8 remete a uma data que, em 1983, representou um marco na articulação política das lésbicas no Brasil. O curta-metragem documental Ferros Bar reconstrói esse momento decisivo, ocorrido quando, em plena ditadura militar, um grupo de mulheres ocupou o espaço para resistir à repressão e à censura. O episódio, por vezes referido como o "Stonewall brasileiro", foi fundamental no processo de desconstrução da lógica do silenciamento e contribuiu para a transição das lésbicas do espaço privado para a cena pública, em uma constante (e ainda atual) reivindicação do direito à existência plena.
 
Treze anos após esse levante, em 29/8/1996, ocorreu o 1º SENALE - Seminário Nacional de Lésbicas, consolidando a organização política do movimento em âmbito nacional. A data foi escolhida, posteriormente, para simbolizar o Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, em reconhecimento à importância de criar espaços autônomos de formulação política e reivindicação de direitos, fortalecendo as pautas específicas das mulheres lésbicas na agenda dos direitos humanos no país.
 
A partir dessa movimentação política e da contínua resistência, houve avanços. No entanto, a invisibilização das mulheres lésbicas ainda persiste e não é um fenômeno isolado. Está intrinsecamente ligada a uma estrutura social patriarcal e cis-heteronormativa que sistematicamente nega a autonomia e a legitimidade das relações entre mulheres, relegando-as a uma condição de subalternidade e negando-lhes possibilidades de existir, construir famílias e viver de forma livre e sem medo.
 
Os desafios no campo do Direito:
 
No campo jurídico, essa invisibilidade se traduz na violação e na negação de direitos. Embora a formação de famílias por casais homoafetivos tenha sido reconhecida pelo STF em 2011 (ADPF 132 e ADIn 4.277), sua concretização ainda encontra inúmeros obstáculos.
 
Um exemplo concreto dessa realidade são as barreiras impostas pelo provimento 63/17 do CNJ, que restringe o reconhecimento extrajudicial da dupla maternidade em casos de inseminação caseira. A norma aprofunda o abismo entre os direitos formalmente reconhecidos e a realidade - principalmente daquelas mulheres em situação de acentuada vulnerabilidade social, que recorrem a este método por não terem acesso aos onerosos serviços privados de reprodução assistida. Na prática, a norma acaba por afastar, para estes casais, a aplicação da presunção de filiação prevista no CC para concepções ocorridas na constância do casamento (art. 1.597), gerando um tratamento desigual.
 
Essa desconexão entre a norma e a vida nos recorda da importância de balizas internacionais de direitos humanos, como a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso Atala Riffo e Filhas vs. Chile (2012), que estabeleceu que a orientação sexual não pode ser utilizada como critério para restringir direitos parentais. A decisão reafirma que as famílias formadas por pessoas LGBTQIAPN+ merecem igual respeito, proteção e reconhecimento.
 
A atuação da Defensoria Pública na garantia de direitos
 
É nesse contexto de lacunas e barreiras que a atuação de instituições como a Defensoria Pública se torna central. Ao lado da sociedade civil, temos trabalhado para garantir o reconhecimento de direitos fundamentais nos campos judicial e extrajudicial, bem como na construção e fiscalização de políticas públicas em favor de mulheres lésbicas, incluindo o direito à dupla maternidade.
 
As Defensorias Públicas acompanham de perto a materialização dessas precariedades na vida de mulheres lésbicas em situações de acentuada vulnerabilidade: mães; periféricas; negras; vítimas de violência institucional e familiar; em contextos de privação de liberdade; desfeminilizadas; em situação de rua, dentre outras.
 
Essas realidades, muitas vezes negligenciadas, demonstram que datas que enfatizam o orgulho e a visibilidade lésbicas são mais do que comemorativas; devem ser um chamado contínuo à ação. Precisamos avançar no reconhecimento de direitos, na formação continuada de agentes públicos e na transversalidade das políticas públicas de saúde, educação, assistência social e segurança, para que contemplem as especificidades lésbicas.
 
Afinal, visibilidade, sob a ótica dos direitos humanos, é mais do que ser notada. É ser considerada na formulação das leis, nas decisões judiciais e nas políticas públicas. É a garantia de que nenhuma mulher terá sua existência ou seus direitos questionados.
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