Elaine Frota
Defensora pública (DPE-AM)
A Defensoria Pública, fundamentalmente, é a instituição incumbida da defesa, individual ou coletiva, dos necessitados e dos direitos humanos, conforme dispõe a Constituição (artigo 134). Em tal cenário, especialmente em tempos de desastres ambientais, vulneráveis climáticos e de COP30, pode pairar no ar a seguinte questão: haveria relação entre Defensoria Pública brasileira e meio ambiente?
Para responder a essa questão, em primeiro lugar, ressalta-se o fato de que, há tempos, o conceito de “necessitados” não está mais encarcerado à “primeira onda renovatória de acesso à justiça” [1] e aos vulneráveis econômicos. Com efeito, esse viés egoisticamente individual foi superado por um olhar jurídico “solidarista”[2].
Assim sendo, essa superação do viés econômico da necessidade veio, inicialmente, tanto da indisponibilidade da defesa processual penal, como da atuação da curadoria especial cível (CPC, artigo 72) – mas vai além, pois foi reconhecida, na Justiça coletiva, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) (Corte Especial, EREsp 1.192.577) e no Supremo Tribunal Federal (STF) (Pleno, ADI 3.943) na “segunda onda de acesso à justiça”.
Ou seja, os tribunais superiores reconhecem a legitimidade institucional da Defensoria Pública para a proteção da “coletividade necessitada” (ou “necessitados coletivos”) em dimensão social, a qual supera o individualista critério econômico, alcançando os necessitados “em sentido amplo”[3] enquanto merecedores de proteção também por intermédio da Defensoria Pública na “tutela coletiva socioambiental”[4].
As vulnerabilidades climática e ambiental, enquanto situações fáticas ladeadas de riscos, possuem inegáveis dimensões coletiva e difusa. Ou seja, os riscos climáticos e ambientais, embora afetem os indivíduos, atacam a humanidade de forma difusa, enquanto espécie, e ainda coletiva, impactando sobre diversos grupos. Por isso, a Defensoria Pública está inserida no “novo paradigma do acesso à justiça ambiental”[5].
Em tal contexto, a proteção da humanidade a partir de suas necessidades ambientais e climáticas é atribuição, intrinsecamente, ligada à Defensoria Pública na Constituição brasileira, porquanto as buscas pela satisfação das necessidades humanas e pelo abrandamento do “círculo vicioso das vulnerabilidades jurídicas”[6] sejam ínsitos à missão constitucional do Estado Defensor brasileiro.
E mais: como direito humano que é, o direito ao meio ambiente e ao clima também são fortemente ligados à Defensoria Pública desde seu nascedouro e, expressamente, desde 2014 com a redação conferida pela EC 80/2014 ao artigo 134 da Constituição.
Com isso, a atuação institucional (individual ou coletiva) da Defensoria Pública frente aos desastres ambientais e climáticos é algo mais que aguardado constitucionalmente, além de desejado socialmente. Desse modo, por exemplo, assistiu-se à atuação da Defensoria Pública do Amazonas frente às grandes cheias e às dramáticas secas e queimadas na respectiva região amazônica. Aliás, tão relevante foi, ambientalmente, tal atuação que o caso foi levado à COP 27[7], no Egito, para apresentação e debate.
Obviamente, a Defensoria Pública ambiental (DPA) não deve atuar com o olhar meramente litigioso e somente propondo ações, geralmente de caráter estrutural, que jamais terão um fim satisfatório à sociedade.
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Por certo, a DPA deverá atuar com olhar preventivo, reparador e articulador já no campo extrajudicial, como autoriza a Constituição (artigo 134) e a LC 80/1994 (artigo 4º, II[8]). Com isso, o campo da educação ambiental[9] deve pautar grande esforço da instituição com vistas à prevenção, como um verdadeiro ombudsman das necessidades ambientais e climáticas da população.
Enfim, para além da dimensão individual, geralmente com vistas à proteção do necessitado econômico, deve-se normalizar (e recomendar) a atuação da Defensoria Pública ambiental com vistas à promoção das necessidades ambientais difusas e coletivamente espalhadas pela sociedade a fim de se abrandar essas duas vulnerabilidades marcantes destes tempos, a ambiental e climática.
[1] CAPPELLETTI, Mauro. GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução Ellen Gracie. Porto Alegre: Fabris, 1988.
[2] SOUSA, José Augusto Garcia de. Solidarismo jurídico, acesso à justiça e funções atípicas da Defensoria Pública: a aplicação do método instrumentalista na busca de um perfil institucional adequado? Revista de Direito da Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n. 1, jul./set. 2002.
[3] FENSTERSEIFER, Tiago. Defensoria Pública na Constituição Federal. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
[4] MASSON, Luciano Dal Sasso. A atuação da Defensoria Pública na tutela coletiva socioambiental. São Paulo: Dialética, 2024.
[5] DORILÊO, Márcio Frederico de Oliveira. A Defensoria Pública rumo ao novo paradigma de acesso à justiça ambiental. Cuiabá: Calini e Caniato, 2015.
[6] CASAS MAIA, Maurilio. O ciclo jurídico da vulnerabilidade e a legitimidade institucional da Defensoria Pública: limitador ou amplificador constitucional da assistência jurídica integral? Fortaleza-CE: UNIFOR, 2020. [Tese de doutorado]
[7] DEFENSORIA PÚBLICA DO AMAZONAS. Na COP-27, Defensoria chama atenção para catástrofe climática que atinge vulneráveis na Amazônia. Notícias, 14 Nov. 2022. Disponível em: <https://defensoria.am.def.br/2022/11/14/na-cop-27-defensoria-chama-atencao-para-catastrofe-climatica-que-atinge-vulneraveis-na-amazonia/>. Acesso em: 19 Jun. 2025.
[8] LC n. 80/1994, “Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras: [...] II – promover, prioritariamente, a solução extrajudicial dos litígios, visando à composição entre as pessoas em conflito de interesses, por meio de mediação, conciliação, arbitragem e demais técnicas de composição e administração de conflitos;”
[9] NEVES, Thiago Burlani. Defensoria Pública e Educação Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.