O Núcleo de Assistência Jurídica de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Defensoria Pública do Distrito Federal (NDH/DPDF) assinou uma carta aberta, elaborada pela Comissão de Moradia do Conselho Nacional das Defensoras e Defensores Públicos-Gerais (Condege). O documento é resultado de uma deliberação dos membros e sugere diretrizes para a assistência jurídica à população vulnerável, que levem em conta os impactos das mudanças climáticas. Segundo o texto, os efeitos das consequências da destruição do meio ambiente atingem desproporcionalmente a população mais vulnerável do Brasil.
O manifesto propõe, entre vários pontos, a inclusão das vítimas de calamidades naturais no planejamento de ações das Defensorias Públicas do país, já que as experiências delas são cruciais para soluções eficazes e contextualizas com o atual momento. O texto também busca assegurar que os planos de habitação incluam objetivos claros para minimizar os impactos do clima, garantindo moradia adequada e segura, além de formas de subsistência e segurança alimentar.
A Defensora Pública e integrante da Comissão de Moradia do Condege Juliana Braga assinou o documento e conta a importância de adotar as regras uma abordagem proativa e multidisciplinar, focada na prevenção de desastres e na garantia de direitos das populações mais vulneráveis. “Quando acontece um deslizamento de terra, normalmente, o prejuízo é maior em regiões onde faltam serviços públicos essenciais como moradia digna e saneamento básico. Por isso, precisamos atuar na construção de políticas públicas eficazes voltadas ao cuidado, monitoramento, respostas, recuperação e reconstrução após os danos causados, não se limitando à judicialização”, reforça.
Diretrizes Prioritárias para Atuação das Defensorias Públicas:
Justiça Climática e Ambiental:
Compreender a intrínseca relação entre justiça climática e justiça social, reconhecendo que os impactos dos desastres climáticos atingem desproporcionalmente grupos vulnerabilizados, como negros, mulheres, povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, comunidades tradicionais, moradores de áreas de risco e aqueles em situação de rua, bem como podem gerar novas vulnerabilidades (pescadores, agricultores familiares, catadores de material reciclável).
Garantir o acesso à ordem jurídica justa exige um olhar sensível aos aspectos transversais da justiça climática e ambiental.
Compreensão do Risco Climático e Ambiental:
Abordar os riscos de desastres naturais e climáticos com uma análise sistêmica, buscando previsão, prevenção e preparação, e não apenas reação.
Aprofundar a compreensão da base conceitual adotada pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que representa o risco como o centro de uma flor, cujas pétalas são: ameaça (eventos extremos), exposição (quem e o quê está em risco) e vulnerabilidade (condições sociais, econômicas e ambientais que aumentam os impactos, incluindo sensibilidades e capacidade de adaptação).
Superação de Vulnerabilidades e Papel da Defensoria Pública:
Focar na superação das vulnerabilidades, garantindo que as políticas de adaptação promovam justiça climática e social, sem aprofundar desigualdades.
Considerar as soluções baseadas nos territórios a partir do conhecimento dos povos tradicionais na formulação de políticas e medidas de adaptação.
Atuar proativamente na construção de políticas públicas eficazes para prevenção, monitoramento, respostas, recuperação e reconstrução pós-desastres, não se limitando à judicialização.
Responsabilizar o Estado e Municípios por deveres de mitigação e adaptação climática, e ajuizar ações reparatórias contra danos climáticos de entes federativos e agentes privados.
Fortalecer mecanismos institucionais, reconhecendo o papel da ciência de atribuição e promovendo a articulação interinstitucional com a sociedade civil.
Participação dos Atingidos:
Apoiar a participação ativa das comunidades atingidas na tomada de decisões, pois suas experiências são cruciais para soluções resilientes e contextualizadas.
Defender a essencialidade de participação popular no bojo de licenciamentos ambientais.
Defender a necessidade de protocolos de consulta para empreendimentos que possam afetar comunidades tradicionais (direito à consulta prévia, livre e informada).
Conciliar a melhor ciência disponível com os saberes tradicionais, promovendo soluções baseadas nos territórios.
Olhar de Justiça Climática, Proteção Social e Garantia de Direitos – estratégias e tecnologias:
Integrar a justiça climática na atuação das defensorias, com foco em adaptação climática antirracista, transição energética justa e popular, e financiamento climático direto.
Desenvolver soluções sistêmicas com compreensão das cadeias de impacto, para previsões adequadas, preparação e, se for o caso, responsabilização consistente, por ação ou omissão.
Redução de vulnerabilidades e aumento da resiliência das comunidades.
Assegurar que os planos de habitação e de adaptação climática incluam objetivos claros para minimizar os impactos climáticos, garantindo moradia adequada e segura, além de formas de subsistência e segurança alimentar.
Defender a existência de análise de impactos, para impedimento ou redução de danos, diante de qualquer empreendimento, destacando-se a importância do licenciamento ambiental.
Melhorar a comunicação entre os núcleos especializados, para uma análise mais acurada da cadeia de impacto na busca de soluções.
Criação de mecanismos de monitoramento climático com transparência e participação efetiva das comunidades, da academia, das instituições de justiça e da sociedade civil organizada, conforme recomendações do relatório recentemente publicado pela REDESCA — Relatoria Especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos — sobre as enchentes no Rio Grande do Sul. O documento afirma que, além dos impactos sobre populações já marginalizadas, há uma ampliação do círculo da vulnerabilidade, atingindo pescadores, catadoras, agricultores familiares e comunidades urbanas.
Promover a apropriação de bases de dados e plataformas de diagnóstico e soluções, utilizando a melhor ciência disponível para potencializar a atuação defensorial.
Utilizar soluções baseadas na natureza em menor escala, como jardins de chuva, telhados verdes, parques lineares e reflorestamento de encostas.
Facilitar a cooperação entre as defensorias e com outras instituições e consultorias multidisciplinares, fortalecendo equipes internas por meio do incentivo à realização de ACTs com universidades e consultorias especializadas.
Moradia adequada, Regularização Fundiária e Proteção Ambiental:
Abordar o direito à moradia adequada, com destaque para a regularização fundiária para populações vulneráveis, conciliando a proteção do meio ambiente e a proteção social.
Buscar estratégias para permanência das famílias em seu território, com garantia de direitos fundamentais e infraestrutura adequada de serviços públicos, e remoção do risco.
Direcionar políticas públicas de redução de vulnerabilidades a partir dos diagnósticos, com o fim de evitar impactos ou reduzir riscos, aumentando a capacidade de resiliência adaptativa e a participação direta das comunidades, como a implementação de ATHIS.
Realizar estudos técnicos consistentes para subsidiar a atuação e garantir o direito à moradia digna em locais seguros, reduzindo as desigualdades espaciais na cidade.
Priorizar uma atuação multiprofissional na análise dos territórios (engenheiros, geólogos, arquitetos, biólogos, assistentes sociais, sociólogos, antropólogos, entre outros).
Criação de Protocolo Nacional com abertura de contribuições da sociedade civil:
Desenvolver um protocolo nacional de atuação das defensorias públicas em contextos de desastres, por meio de cooperação técnica assinada pelo CONDEGE em conjunto com as defensorias estaduais e consultorias especializadas, mediante um edital com abertura de contribuição da sociedade civil e academia.
Capacitação e Litigância Climática Estratégica:
Comprometer as comissões de escolas superiores do CONDEGE, e a ENADEP, para a capacitação contínua dos defensores públicos, incluindo cursos de litigância climática estratégica.
Aprofundar o estudo da ciência da atribuição para embasar ações judiciais e extrajudiciais de responsabilização, compreendendo o nexo causal entre a crise climática e as violações de direitos.
Quadro de Apoio Multidisciplinar:
Implementar equipes multidisciplinares nas Defensorias Públicas, compostas por engenheiros, geólogos, assistentes sociais, arquitetos e urbanistas, permacultores, entre outros profissionais, para o embasamento técnico necessário à atuação.
Proposta de elaboração de nota técnica conjunta entre CONDEGE e ANADEP, com apoio das comissões temáticas, especialmente a de justiça ambiental e climática, sobre o PL 2.159/2021.
Instar a presidência da ANADEP a viabilizar a articulação da nota pelas comissões competentes, em cumprimento à missão institucional da entidade, considerando o tema da campanha ANADEP 2025 e os graves retrocessos ambientais e sociais previstos no projeto.
Efetivação da Comissão de Meio Ambiente e Justiça Climática no CONDEGE.
Instar a Presidência do CONDEGE à sua criação, aprovada em 2023, mas que segue pendente de implementação, uma vez que, diante da iminência da COP30 e da necessidade de institucionalizar a pauta da justiça climática nas defensorias públicas, sua instalação torna-se urgente.
É fundamental adotar uma abordagem proativa e multidisciplinar, focada na justiça climática e social, na prevenção de desastres e na garantia de direitos das populações mais vulneráveis. O fortalecimento institucional, a capacitação contínua e a colaboração interinstitucional são cruciais para a construção de um futuro mais justo e resiliente.
São Paulo, 23 de maio de 2025
ASSINATURAS
Alessandro Andrade Spindola – DPE-PI
André Luiz Gardinal Silva – DPE-SP
Andre Vicentini Gazal – DPE-SP
Antonia Pereira Gay – DPE-SP
Carolina de Carvalho Byrro – DPE-GO
Cleide Aparecida Nepomuceno – DP-MG
Eduardo Guimarães Borges – DPE-RO
Elizabeth Chagas – DPE-CE
Fábio Barbosa – DPE-MT
Fernanda Peres da Silva – DPE-PB
Florisvaldo Antonio Fiorentino Júnior – DPE-SP
Gisele Souto Durante DPE-SP
Ivan Carlos Maglio – Superintendente do Instituto Panamericano para o Meio Ambiente e Sustentabilidade (Ipan)
João Ricardo Meira Amaral – DPE-SP
João Victor Rozatti Longhi – DPE-PR
José Fernando Nunes Debli – DPE-PE
Juliana Braga Gomes – DPDF
Juliana Spuri Bernardi – DPE-SP
Katia Cilene Oliveira Giraldi – DPE-SP
Kenia Martins Pimenta Fernandes – DPE-TO
Laura Naves Filisbino – DPE-SP
Letícia de Carvalho Pontes Falcheti – DPE-RO
Lorena Pereira Santin – DPE-SP
Mariana Borgheresi Duarte – DPE-SP
Marilia Corrêa P. Farias – DPE-RJ
Rafael Pedro Magagnin – DPE-RS
Rafaele Cristine Medeiros Soares – DPE-SP
Rodolpho Penna Lima Rodrigues – DPE-RN
Samantha Negris de Souza – DPE-ES
Silvia Gomes Noronha – DPE-PA
Taissa Nunes Vieira Pinheiro – DPE-SP
Thalita Veronica Gonçalves e Silva – DPE-SP