Uma atuação da Defensoria Pública do Pará junto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) abriu precedentes ao assegurar, nesta sexta-feira (28), o direito de uma adolescente transgênero em cumprimento de medida socioeducativa de ser transferida para um estabelecimento adequado à sua identidade de gênero autodeclarada. A partir de agora, a decisão inédita do STJ em favor da transferência da adolescente poderá ser utilizada como referência em outros casos que abordem o mesmo tema.
O caso da adolescente, que se encontrava em uma unidade socioeducativa masculina, foi identificado nos atendimentos regulares que o Núcleo de Atendimento Especializado da Criança e do Adolescente (Naeca) realiza nas unidades socioeducativas da Região Metropolitana de Belém. Em pedido feito pela Defensoria paraense no início de fevereiro, o direito à transferência para um estabelecimento feminino foi aprovado em primeira instância. No entanto, a decisão foi suspensa devido a recurso interposto pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Justiça do Pará. Em seguida, a DPE-PA ingressou com novo recurso no tribunal estadual, mas não obteve êxito.
Diante do quadro, a Defensoria paraense acionou o STJ, por meio do seu Escritório de Representação em Brasília. Após análise dos argumentos defensoriais, a decisão publicada hoje (28) reconhece a necessidade de garantir os direitos da pessoa transgênero e determina a transferência imediata da adolescente para um local adequado, que assegure o respeito à identidade de gênero e aos princípios da dignidade humana.
Articulação institucional
A atuação no STJ se deu por meio de Habeas Corpus, elaborado de modo articulado entre as várias esferas da DPE-PA envolvidas no caso. Para o defensor público Márcio Coelho, coordenador do Naeca, este esforço conjunto foi determinante para assegurar o direito da assistida à dignidade. “Garantir que adolescentes transgêneros tenham seus direitos respeitados dentro do sistema socioeducativo é um passo fundamental para a construção de um sistema mais justo e humano. A articulação entre Naeca, Entrância Especial e Representação em Brasília foi fundamental para o sucesso da demanda”, afirma.
A defensora pública e coordenadora do Escritório de Representação em Brasília da DPE-PA, Anelyse Freitas, explica que a permanência da assistida em unidade socioeducativa masculina representava uma grave violação de direitos. Segundo ela, foi essa condição que permitiu o acionamento do STJ, mesmo que ainda houvesse um processo em andamento no Tribunal de Justiça do Pará. “Provamos que este era um caso de grave violação de direitos com riscos à integridade física de uma pessoa trans, o que, portanto, exigia a mitigação da Súmula 691, tese acatada pelo Tribunal da cidadania, pois o ministro do STJ reconsiderou a decisão”, pontua.
Precedente inédito
A decisão do STJ segue as diretrizes da Resolução nº 348/2020 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que assegura o direito à autodeterminação de gênero para pessoas privadas de liberdade. No entanto, este é o primeiro caso em que o STJ julga de forma procedente uma solicitação relativa à transferência de uma adolescente transexual em cumprimento de medida socioeducativa para uma unidade que respeite a sua identidade de gênero. Deste modo, a decisão funciona como um precedente legal, ou seja, uma decisão judicial que serve de exemplo em outros casos semelhantes, e poderá ser utilizada em todo o Brasil.
A defensora Anelyse Freitas reforça a relevância da decisão, a nível nacional. “Esta atuação demonstra, mais uma vez, o comprometimento da Defensoria com a garantia dos direitos humanos, principalmente da população LGBTQIA+ e também abre um precedente qualificado, junto ao STJ, que é o nosso tribunal da cidadania, pela garantia dos direitos, da integridade física e da dignidade humana de pessoas trans”, finaliza.
Um levantamento do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativa (SINASE), de 2023, registrou a existência de 46 meninos transgêneros e 10 meninas transgêneros em restrição e privação de liberdade no Brasil.
Serviço:
O Núcleo de Atendimento Especializado da Criança e do Adolescente (Naeca) fica localizado na Travessa São Francisco, nº 427, bairro da Campina, em Belém. Para solicitar atendimento, entre em contato pelos números (91) 3222-8818/ (91) 98406 4053/ (91) 99188 6447. Horário de atendimento de segunda a sexta-feira, das 08h às 14h.
O Escritório de Representação em Brasília da Defensoria Pública do Pará foi criado em 2021 e atua perante os Tribunais Superiores na capital federal.
Sobre a Defensoria Pública do Pará
A Defensoria Pública é uma instituição constitucionalmente destinada a garantir assistência jurídica integral, gratuita, judicial e extrajudicial, aos legalmente necessitados, prestando-lhes a orientação e a defesa em todos os graus e instâncias, de modo coletivo ou individual, priorizando a conciliação e a promoção dos direitos humanos e cidadania.