A Defensoria Pública do Estado de Goiás (DPE-GO), por meio do Núcleo Especializado em Direitos Humanos (NUDH), foi admitida como custos vulnerabilis na Ação Civil Pública (ACP) que trata da descontinuidade dos serviços do Processo Transexualizador no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Goiás (HC-UFG). A decisão, da última terça-feira (25/02), é histórica ao reconhecer a legitimidade da DPE-GO para intervir no caso - que tramita na Justiça Federal - e o seu papel fundamental na defesa dos direitos de grupos em situação de vulnerabilidade, em especial da população trans e travesti.
A ação foi proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), em abril de 2024, em desfavor da União Federal e do HC-UFG por meio da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). O objetivo é garantir o repasse financeiro ao Hospital, assim como a contratação de equipe multiprofissional que permita a retomada dos serviços de saúde para pessoas trans, incluindo terapia hormonal e cirurgias de redesignação sexual, como histerectomia e mastectomia.
Legitimidade da DPE-GO
O NUDH acompanhava a questão desde o início por meio do Procedimento Preparatório Para a Propositura de Ações Coletivas (PROPAC) instaurado, oitiva de pacientes em conjunto com a Associação Goiana de Pessoas Trans (Unitrans/GO) e representantes do movimento LGBTQIAPN+, além de reuniões de monitoramento com os setores responsáveis.
Com base na função da Defensoria Pública de promoção dos direitos humanos e defesa de grupos em situação de vulnerabilidade, o defensor público Tairo Esperança, coordenador do NUDH, e a defensora pública Ketlyn Chaves, subcoordenadora, formularam o pedido de custos vulnerabilis na ACP visando maximizar a proteção dos direitos de pessoas trans e travesti goianas, que podem ser diretamente afetadas pelas decisões judiciais.
No documento protocolado na Justiça Federal, foram destacados o princípio da dignidade humana, o direito à saúde e a observância aos princípios Yogyakarta sobre a Aplicação da Legislação Internacional de Direitos Humanos em relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero. “É papel do Poder Público garantir à população LGBTQIAPN+ o acesso a todas as políticas públicas e sociais e serviços”, consta.
Impactos da descontinuidade do serviço
O Processo Transexualizador no HC-UFG foi pioneiro no país, iniciado em 2000 sob a coordenação da médica Mariluza Terra. Em 2008, com a criação da política específica de saúde para pessoas trans, o hospital foi habilitado para oferecer atendimento ambulatorial e hospitalar, incluindo cirurgias de redesignação sexual. No entanto, em 2022, o serviço foi desabilitado, deixando centenas de pessoas que dependem do SUS sem acesso a tratamentos essenciais.
A interrupção do serviço levou muitos pacientes a buscar hormonioterapia de forma clandestina, sem acompanhamento médico adequado, o que pode resultar em graves complicações de saúde, como doenças cardiovasculares, tromboembolismo venoso e câncer de mama. A defensora Ketlyn Chaves ressalta que “a retomada do Processo Transexualizador é essencial para garantir o direito à saúde e a dignidade da população trans na seara ambulatorial e hospitalar, bem como desafogar a fila de espera do HGG”.
Próximos passos
Além de acolher o pedido da DPE-GO, a decisão judicial da 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária de Goiás designou a realização de uma audiência para o dia 6 de maio. Durante o processo, serão ouvidos representantes do HC-UFG, do Hospital Geral de Goiânia (HGG) e a população trans. Além disso, o HC-UFG foi intimado a fornecer informações detalhadas sobre os atendimentos prestados à população trans nos últimos dois anos, a fila de espera atual e as medidas adotadas desde a interrupção do serviço.
A DPE-GO seguirá acompanhando o caso e atuará na audiência, reforçando seu compromisso com a defesa dos direitos da população LGBTQIAPN+ e a garantia de acesso à serviços de saúde adequados, eficientes e seguros, livres de discriminação.