“Renascimento” é uma das palavras que poderiam definir os últimos meses de 2024 vividos por Euracy Ramos da Cruz. Ela recebeu a sua primeira certidão de nascimento aos 51 anos, na comarca de Wanderley, cidade do território de identidade Bacia do Rio Grande, após a passagem da Unidade Móvel pelo Oeste da Bahia. Cerca de três meses se passaram desde o seu atendimento até receber, em mãos, o documento que garantiu a sua cidadania. Sua história é uma das diversas coletadas pela Instituição ao longo de 2024 por meio de itinerâncias, atendimentos nas sedes ou por meio da Ouvidoria Cidadã.
“Eu nasci de novo. Meu sonho era ser registrada, eu precisava muito por conta das dificuldades de estar doente, fraca. Era um sonho distante, mas graças a Deus tudo deu certo”, disse Euracy com a certidão de nascimento em mãos. O drama da sua história começou após descobrir que, ao nascer, o seu pai entregou como se fosse seu o registro de nascimento da irmã distante, de nome Neuracy.
Sem saber, usou o documento por toda a vida até o momento em que a sua irmã distante descobriu e ingressou com ação judicial contra Euracy. Analfabeta e moradora da zona rural, a assistida foi até a Defensoria acompanhada de assistentes sociais do município para buscar a resolução do problema. A DPE/BA expediu o ofício aos cartórios de Wanderley e Cotegipe solicitando a busca do registro de nascimento de Euracy Ramos da Cruz e, caso não houvesse outra pessoa com o respectivo nome, fosse feito o registro da assistida. E assim foi feito.
Superendividamento e tecnologia assistiva
O ano de 2024 também foi o momento de garantir serviços jurídicos gratuitos para muitos usuários(as) dos serviços da Defensoria. Um idoso de 63 anos vivia há mais de um ano com renda mensal de R$ 14 (catorze reais) decorrente de descontos automáticos (em folha e em débito em conta) na aposentadoria por conta de empréstimos contratados anteriormente. O caso foi enquadrado pela Defensoria como superendividamento: situação em que o consumidor não consegue quitar seus débitos porque o valor é muito próximo da renda própria.
A Defensoria tentou a renegociação, mas a negativa das financeiras levou a Instituição a ajuizar uma ação para renegociar as dívidas. Com isso, o usuário deve pagar o máximo de 30% da renda líquida até a definição de um plano de pagamento pelo Poder Judiciário. “É uma sentença bem importante, por vários motivos. Reconheceu a qualidade de superendividado do autor, sinalizou a prática de taxas abusivas pelas financeiras e, o mais importante, decidiu pela formação de um plano de pagamento que garanta a manutenção do mínimo existencial”, avaliou a defensora Eliana de Souza Reis, que ajuizou a ação.
Em Itaberaba, o estudante com cegueira total e congênita, Wiliam Ponciano (32), teve a vida transformada depois de a Defensoria conseguir, na Justiça, o direito a um óculos de tecnologia assistiva que converte imagens em áudios. Ele passava por diversas dificuldades para dar desenvolver atividades cotidiana e também para continuar a formação em Direito.
Cuidados paliativos e exames de DNA
Em Eunápolis, um homem de 50 anos com câncer terminal, que cumpria prisão preventiva no Conjunto Penal desde novembro de 2023, foi liberado pela Justiça para cumprir a prisão domiciliar na cidade baiana de Guaratinga, após atuação da Defensoria. Entre os pedidos, estiveram a concessão da prisão domiciliar para que o homem pudesse receber os cuidados adequados. Um mês após a sua soltura, ele foi a óbito em casa, junto com seus familiares. O artigo 318 do Código Penal especifica que o juiz pode substituir a prisão preventiva pela prisão domiciliar, entre outros casos, quando a pessoa estiver extremamente debilitada por motivo de doença grave.
Irineu de Jesus (82) e Maria José de Jesus (88) receberam da Defensoria uma notícia muito aguardada: descobriram que são irmãos após fazerem exame de DNA post mortem em um mutirão. A ausência do nome do pai no registro de nascimento sempre foi um obstáculo na vida de Irineu e, com a idade avançada, o reconhecimento paterno tornou-se ainda mais crucial para garantir o acesso aos bens deixados por seu suposto pai, assim como seus parentes.
Esperança e recomeços em unidades prisionais
Os atendimentos jurídicos do projeto Dignidade e Justiça no Sistema Prisional também proporcionam momentos de emoção e esperança. Esses foram os sentimentos de um pai que reencontrou o filho após três anos sem vê-lo. O pai estava na Penitenciária Lemos de Brito e o filho, na Cadeia Pública. “Quando me chamaram aqui, nem acreditei. Achei que ia ser uma chamada de vídeo. Quando disseram que ia poder dar um abraço no meu filho, dei ‘Glória a Deus’!”, relembrou o pai, emocionado.
Ele recebeu um “Feliz Dia dos Pais” atrasado e aproveitou para aconselhar o filho a voltar a trabalhar depois de cumprir a pena. “Não quero meus filhos passando por isso. É uma situação complicada…Tentei dar força e aconselhá-lo. Ele é um menino estudado e não está acostumado com isso”, relembra.
Uma oportunidade para recomeçar a vida: é a visão de Paula* (42), cantora e compositora que venceu a primeira seletiva do Festival Anual da Canção Estudantil (Face), promovido pela Secretaria Estadual da Educação. Ela é interna do Complexo Penal de Teixeira de Freitas e quase perdeu essa chance quando foi impedida de participar devido ao cancelamento da sua inscrição sem motivo aparente. Assim, a Defensoria da Bahia que atua na unidade prisional buscou uma solução extrajudicial para o assunto a fim de garantir a participação da artista.
Ouvidoria Cidadã
Muitas histórias também chegaram até a Defensoria por meio da Ouvidoria Cidadã. Somente em 2024, foram realizadas 774 atividades em 2024, 11 rodas de conversa e 30 viagens para ir ao encontro da população no interior da Bahia. Com isso, foram alcançadas 1.378 pessoas em eventos externos e 713 pessoas buscaram a Ouvidoria por demanda espontânea.
Os principais projetos desenvolvidos pela Ouvidoria foram Escuta Cidadã, Xirê da Justiça, Florescer Quilombola, Diálogos nas Aldeias e Ouvidoria Incide. Houve também abordagens sobre pautas como Juventude negra; proteção dos povos tradicionais originários; defesa e proteção das mulheres; e auxílio a pessoas em situação de rua ou com vulnerabilidade de moradia.