Na manhã da sexta-feira (15/11), o XVI Congresso Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (CONADEP) encerrou com o painel "Acesso à Justiça Criminal e Grupos Vulneráveis". O encontro abordou os desafios enfrentados por grupos em situação de vulnerabilidade no sistema penal, destacando temas como discriminação estrutural, criminalização da pobreza, racismo institucional e ausência de garantias processuais. A discussão enfatizou os impactos do racismo estrutural e da seletividade penal, especialmente sobre a população negra e periférica.
Entre os palestrantes estavam Anamaria Prates Barroso, advogada criminalista e procuradora do Distrito Federal; Luciano Góes, membro emérito do Instituto Baiano de Direito Processual Penal (IBADPP); Sheila de Carvalho, secretária nacional de acesso à justiça (SAJU/MJ); Luís Geraldo Sant'Ana Lanfredi, desembargador do TJSP e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Execução de Medidas Socioeducativas (DMF/CNJ); e Mayara Tachy, defensora pública do Distrito Federal.
Anamaria Prates Barroso destacou que o sistema penal opera de forma desigual. Citou um levantamento do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), realizado em 2021, que revelou que, embora 48% da população do Rio de Janeiro seja negra, 70% das abordagens policiais recaem sobre essa população, com 17% sendo abordados mais de 10 vezes. “A seletividade penal não é neutra; ela criminaliza grupos específicos enquanto protege outros. É um conluio racista”, afirmou. Anamaria também abordou disparidades nas audiências de custódia, onde negros têm menos chances de obter liberdade provisória, além de tratar de condenações injustas, altas taxas de letalidade e assassinatos que afetam desproporcionalmente a população negra.
Luciano Góes abordou o impacto da branquitude no acesso à justiça e o papel do sistema jurídico na manutenção do racismo estrutural. Segundo ele, o sistema penal funciona como instrumento de defesa branquitude. “Enquanto o abolicionismo penal é visto como utopia, práticas punitivistas seguem encarcerando corpos negros em massa sob a justificativa de justiça”, afirmou. Góes ainda destacou a necessidade de incorporar saberes afrodiaspóricos e o "contrato quilombista" para construir uma justiça mais inclusiva.
Mayara Tachy, autora de "Réus Negros, Jurados Brancos: A Condenação da Raça no Tribunal do Júri como Decorrência da Íntima Convicção", trouxe à tona a falta de diversidade no Tribunal do Júri. Segundo pesquisas, negros têm mais chances de condenação, enquanto fatores como aparência física e composição familiar, irrelevantes aos fatos, influenciam as decisões. Para ela, “o julgamento popular deveria aproximar julgadores e julgados, mas não reflete a pluralidade social, o que perpetua injustiças”.
Atuação na perspectiva do Poder Judiciário e do Executivo
Sheila de Carvalho, gestora de uma pasta essencial para o fortalecimento do sistema de justiça, ressaltou a importância de democratizar o acesso à justiça como política pública. Ela apresentou projetos voltados à inclusão de pessoas vulneráveis, destacando o programa “Defensoria Pública em Todos os Cantos”. Em suas palavras, o racismo tem um forte impacto no sistema de justiça. “Já fui uma assistida que via na Defensoria Pública a única porta para acessar meus direitos”.
Luís Lanfredi destacou a relevância da parceria com a Defensoria Pública na construção de políticas como o “Plano Pena Justa”, elaborado em conjunto com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Justiça. “Queremos resgatar os valores da Constituição e implementar práticas que transformem a realidade das pessoas privadas de liberdade, promovendo justiça efetiva para todos”, concluiu.
A defensora pública Karla Letícia, presidenta da ADPETO, presidiu o painel, enquanto Mário Rheingantz, vice-presidente jurídico-legislativo e presidente da ADPERGS, relatou os trabalhos.
Exibição do Documentário "Reconhecidos"
Após o painel, foi exibido o documentário "Reconhecidos", dirigido por Fernanda Amim e Micael Hocherman. O filme retrata as histórias de quatro jovens negros da região metropolitana do Rio de Janeiro que foram injustamente reconhecidos como criminosos com base em fotografias. As narrativas revelam os impactos do sistema de justiça na vida dessas pessoas, expondo como decisões jurídicas refletem desigualdades estruturais na sociedade.
O documentário, produzido pela Cardume Filmes e Viralata Produções, contou com apoio da ANADEP, patrocínio da RioFilmes e outros parceiros institucionais, como o Ministério da Justiça, o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Federal da OAB e OAB-RJ.