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07/08/2024

A importante atuação das Defensoras e dos Defensores Públicos durante a catástrofe climática que assolou o Rio Grande do Sul

Mário Rheingantz, presidente da Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul / Vice-Presidente Jurídico-Legislativo da ANADEP

Em um marco significativo para o acesso à Justiça e aos direitos fundamentais no Rio Grande do Sul, a Defensoria Pública Estadual completou três décadas em 2024. Criada em maio, mesmo mês em que é celebrado o Dia da Defensora e do Defensor Público (19), a instituição surgiu em 1994, como um farol de igualdade material para as pessoas e os grupos mais vulnerabilizados. 
 
Contudo, maio de 2024 ficou marcado por outro fato nada festivo: a maior tragédia climática da história do território gaúcho, que nunca tinha passado por tamanha destruição, desde os tempos em que se chamava província de São Pedro do Rio Grande do Sul. 
 
Nem sequer a grande enchente de 1941, que por uma macabra coincidência também ocorreu nos mesmos dias de maio daquele ano, causou tantas perdas humanas, afetivas, materiais e econômicas. O auge da inundação ocorreu quando, há exatos 83 anos, a capital gaúcha enfrentava uma calamidade sem precedentes. Na enchente de maio de 1941, o Rio Guaíba registrou 4,76 metros de elevação no nível da água — e era, até recentemente, a maior referência de tragédia ligada a um desastre natural em Porto Alegre. Conforme relatos da época, 22 dias ininterruptos de chuvas deixaram 70 mil desabrigados, cerca de 1/4 da população da cidade naquele ano. 
 
Neste 2024, não sem aviso, pois o Estado ainda se recuperava das enchentes de setembro de 2023 que assolaram diversas regiões, as inundações atingiram níveis nunca antes vistos. De uma forma ou de outra, direta ou indiretamente, tudo e todos foram afetados. 
 
Muitos dias seguidos de intensas tempestades culminaram em enchentes, alagamentos, deslizamentos e cheias dos principais rios e lagoas que banham o estado, gerando muitos prejuízos ao patrimônio público e privado. Os temporais elevaram rios como o Pardo, Taquari, Caí, Antas, Sinos, Gravataí, além do Rio Guaíba e da Lagoa dos Patos, acima das cotas de inundação. O Rio Guaíba, que banha a capital – cuja cota de alerta é 3,15 metros e a cota de inundação, 3,6 metros – chegou a 5,33 metros nos primeiros dias de maio. Algumas das principais cidades do Rio Grande do Sul registraram, em apenas 10 dias (entre o final de abril e o início de maio), o triplo das chuvas esperadas para um mês inteiro: Santa Maria, Caxias do Sul, Passo Fundo, Pelotas e Porto Alegre, apenas para citar grandes polos.
 
Conforme dados do Balanço das Enchentes no RS elaborado pela Defesa Civil em 8 de julho de 2024, e do Censo 2022, divulgado pelo IBGE em 28 de junho de 2023: dos 497 municípios do estado, 478 estão afetados; 83% dos municípios do RS decretaram estado de calamidade pública; do total de 10.880.506 habitantes do Rio Grande do Sul, 2.398.255 estão diretamente prejudicados; no auge das enchentes, 658 mil pessoas tiveram que sair de suas casas, 81 mil pessoas foram para abrigos e 577 mil ficaram desalojadas; atualmente, 5,2 mil pessoas ainda esperam um novo lar; 806 pessoas ficaram feridas; ainda estão desaparecidas 31 pessoas; foram confirmados 182 óbitos.
 
Em um cenário apocalíptico, tudo o que estava localizado nas áreas não alagadas se tornou refúgio temporário. Empresas, escolas, universidades, ginásios, igrejas e associações transformaram seus espaços em locais de acolhimento para pessoas desabrigadas. Prefeitos e equipes da Defesa Civil fizeram apelos para que moradores de áreas de risco não retornassem para suas residências. O grave cenário gerou falta no fornecimento de energia elétrica, água, telefonia e internet para quase a totalidade dos gaúchos, por algum período. Escolas públicas e privadas tiveram que interromper suas atividades. Rotas alternativas foram criadas para trechos de estradas danificadas. 
 
Prédios públicos, infraestruturas de Estado e sistemas operacionais ficaram inacessíveis, o que causou uma grande dificuldade na prestação dos serviços. A matriz administrativa da Defensoria Pública, localizada no centro de Porto Alegre, ficou submersa e diversas sedes no interior foram invadidas pelas águas. 
 
Para além de assegurar o acesso à Justiça, promover a defesa da democracia e dos Direitos Humanos, neste momento crítico, de crise e de reconstrução, a Defensoria Pública vem sendo voz ainda mais essencial na defesa dos direitos fundamentais das pessoas que tiveram sua vulnerabilidade social, estrutural e econômica ainda mais agravada.
 
Nesse contexto, com a violência das grandes catástrofes climáticas, algo que já estava sendo observado foi escancarado como uma necessidade imediata: o desempenho qualificado da Defensoria Pública em desastres naturais, pois, geralmente, a população mais atingida é justamente a mais fragilizada. Atuações em outras grandes catástrofes foram fundamentais para a construção do planejamento da execução. Contudo, as infraestruturas e os recursos humanos da própria Defensoria Pública também foram atingidos na tragédia gaúcha. Isso impôs novos desafios para atender as principais demandas durante a parte mais intensa da crise.
 
Com isso, as ações das defensoras e defensores públicos diante do pior desastre climático que o Rio Grande do Sul já enfrentou concentraram-se, num primeiro momento, principalmente nos atendimentos em abrigos. Um grande mutirão com foco nas pessoas em situação de rua afetadas pelas enchentes resultou em uma mobilização de cerca de 70 profissionais em Porto Alegre, Butiá, Lajeado e Novo Hamburgo no dia 20 de maio. Promovida pela Associação das Defensoras e dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul (ADPERGS), em conjunto com a Defensoria Pública (DPE/RS), a iniciativa, chamada de Pop Rua, foi alusiva ao Dia Nacional da Defensoria Pública, celebrado na véspera.
 
Nesse período crítico, a ADPERGS tomou a frente e realizou duas campanhas colaborativas com outras entidades: #SOSChuvas, que arrecadou valores importantes em doações para pessoas prejudicadas pelas enchentes, e #DigaNãoÀMentira, alcançando mais de 50 mil pessoas nas redes sociais com o objetivo de combater as fake news, que, no auge da crise, encontraram espaço fértil para sua propagação. A associação também confeccionou coletes para que o público identificasse com maior agilidade e facilidade a presença dos profissionais em ações especiais em abrigos.
 
Durante os meses de maio e junho, defensoras e defensores públicos também executaram diversos projetos como o Mutirão da Cidadania, Defensoria Contigo, Defensoria Agiliza, Central Cidadania, atendendo milhares de demandas urgentes de usuários nos maiores abrigos e shoppings de Porto Alegre. Nesses eventos, a principal necessidade foi a emissão gratuita de segunda via de documentos perdidos nas enchentes. Houve mobilização de profissionais da DPE/RS em municípios de todas as regiões do Estado, como Porto Alegre, Canoas, Novo Hamburgo, Pelotas, Uruguaiana, Santa Maria, Lajeado, Butiá, Bento Gonçalves, Itaqui e São Leopoldo. 
 
Ainda nos locais de acolhimento, outro ponto sensível foi a importância do cuidado com a segurança de mulheres e crianças. A Defensoria Pública assinou um Protocolo de Proteção às Mulheres e às Crianças em Situações de Emergência Climática. Por conta de denúncias de abusos, foi necessária a formação de abrigos seguros exclusivos para mulheres em cidades como Alvorada, Cachoeirinha, Canoas e Porto Alegre. Abrigos especializados no atendimento de gestantes, puérperas, mães de recém-nascidos, especialmente às mães solo desabrigadas, também foram estruturados. Uma ação de vacinação contra doenças virais em crianças abrigadas foi demandada pela DPE/RS. 
 
No âmbito de tutelas coletivas, moradores de mais de 70 municípios foram contemplados com isenções em contas de água por meio de acordos firmados entre a DPE/RS e demais entes públicos. Mais de 1 milhão de pessoas foram beneficiadas, gerando uma economia de mais de R$100 milhões. Ainda, foram assinados termos para isenção de contas de energia elétrica em cidades que permaneceram diversos dias sem o fornecimento do serviço. A Defensoria Pública também ajuizou ações indenizatórias contra graves danos coletivos e individuais, ocorridos durante o pico da crise climática. 
 
Ademais, a participação direta da Defensoria Pública nos principais gabinetes de crise e espaços decisórios neste momento da reconstrução vem sendo fundamental para que se tenha o olhar de quem foca nas mais profundas e interseccionais vulnerabilidades. Afinal, não é de hoje que atuamos para salvaguardar o acesso à água, à saúde, à alimentação e à moradia para todos e todas. 
 
Portanto, a instituição mais verde do sistema de Justiça está pronta para evitar e reduzir os impactos de futuros eventos climáticos extremos. Já que aspiramos ser uma força impulsionadora na construção de um Estado mais justo, prevenir e gerir crises naturais demandam foco no Direito Ambiental e nos Direitos Humanos. Nesse sentido, destaco a recente criação pela Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (ANADEP) de uma comissão permanente para discutir a Justiça Climática. Estamos nos empenhando para assegurar a todos o direito ao meio ambiente saudável, equilibrado e sustentável, talvez, um dos mais importantes direitos. 
 
No território da velha província de São Pedro do Rio Grande do Sul, temos muito trabalho pela frente e um estado todo para reconstruir com Justiça para as pessoas mais vulnerabilizadas. Em todo o Brasil, o esforço permanente da Defensoria Pública ganha contornos ainda mais verdes com o protagonismo na luta por Justiça Climática. Esta se impõe como um grande desafio da instituição, que sempre ostentou o verde do sistema de justiça e que, agora, atua para garantir o verde do meio ambiente no presente e no futuro. 
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