Rivana Barreto Ricarte - Presidenta da Anadep
A ativista Angela Davis nos ensina que não devemos aceitar as coisas que não podemos mudar, mas que devemos mudar as coisas que não podemos aceitar. Esse é um pensamento potente que nos põe em marcha para lutar pela construção de novas realidades sociais. É o marco do agir contramajoritário que impulsiona o trabalho de todas as defensoras e os defensores públicos em busca da promoção da justiça social no país. Esse é o marco que nos motiva a celebrar este 19 de maio, o Dia Nacional da Defensoria Pública.
A premissa constitucional estabelecida em 1988 através do artigo 5º, inciso LXXIV, que determina que o Estado forneça assistência jurídica integral e gratuita às populações em situação de vulnerabilidade, foi consolidada com a garantia do modelo público de acesso à Justiça efetivado por meio da Defensoria Pública. Levando-se em conta o marco constitucional, há 35 anos a instituição tem desempenhado um papel fundamental na promoção da justiça social no país.
No processo evolutivo nacional, é sempre fundamental a referência a alguns marcos históricos. A Emenda Constitucional nº 45/2004 garantiu autonomia funcional e administrativa às defensorias públicas estaduais, permitindo-lhes atuar de forma independente. Posteriormente, as emendas constitucionais nº 69/2012 e 74/2013 estenderam essa autonomia à Defensoria Pública do Distrito Federal e da União. A Lei Complementar nº 132/2009 trouxe mudanças significativas, como a atuação em demandas coletivas e a criação de ouvidorias externas. Em 2014, a "PEC das comarcas" reformulou o perfil constitucional da Defensoria Pública, reconhecendo-a como "função essencial à Justiça", "instituição permanente" e "expressão e instrumento do regime democrático", alinhada em simetria constitucional ao Poder Judiciário e ao Ministério Público. Assim, a história da Defensoria Pública está intimamente ligada à Constituição Federal e à consolidação do Estado Democrático de Direito.
Em um país marcado por profundos desafios sociais e econômicos, em que quase 30 milhões de pessoas vivem na linha de extrema pobreza, que registra 281 mil pessoas em situação de rua e têm seus direitos diuturnamente violados, onde a escravidão, a opressão contra os povos originários, o desrespeito com a população negra, a submissão de mulheres à condição de subcidadãs, a violação dos direitos das crianças e das pessoas idosas fazem parte da espinha dorsal da estruturação do poder estatal, a atuação de defensoras e defensores públicos se torna ainda mais relevante na defesa dos direitos daqueles que mais precisam. Por isso, não há nada mais certo do que celebrar a existência da maior instituição pública de defesa e assistência jurídica do mundo: a Defensoria Pública brasileira.
É pacífico que a Defensoria Pública realiza um papel público de verdadeira guardiã dos vulneráveis. Defensoras e defensores públicos reconhecem esse seu lugar enquanto trincheira de resistência democrática e de instituição promotora de direitos humanos. Neste 19 de maio, reconhecer os avanços alcançados, com a presença da Defensoria Pública estruturada em todas as unidades da Federação é importante. Mas a data também se revela como dia de intensa mobilização. Diferenças orçamentárias institucionais entre Poder Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, sentidas em todos os Estados, no Distrito Federal e no âmbito da União, criam descompassos no sistema de justiça que implicam, além de redução de acesso às pessoas em situações de vulnerabilidades, fragilidade na execução de políticas públicas das mais diversas.
Para a garantia do equilíbrio de todo sistema de justiça e do fortalecimento do Estado defensor, é primordial aumentar a presença da instituição nas comarcas e nos espaços de poder para construção de políticas públicas. É primordial garantir o uso de prerrogativas que otimizem e acelerem o trabalho realizado por defensoras e defensores públicos em todo país, amplificando os resultados de sua atuação. Como revela Salvador Allende, "não basta que todos sejam iguais perante a lei. É preciso que a lei seja igual perante todos".
Defensoras e defensores públicos conclamam que o fortalecimento da Defensoria Publica e a extensão de seus servicos para todas as pessoas necessitadas constituam uma política de Estado que cumpra a promessa constitucional de consolidar uma Defensoria Publica dotada de autonomia e que atue como instrumento de transformacao social, preparada para reduzir as desigualdades e defender os mais vulneráveis, nas mesmas condições paritárias que os demais atores judiciais.
Defensoria Pública forte e presente em todos os cantos é dever do Estado e direito das pessoas em situações de vulnerabilidades. É assegurar que, sim, um novo presente, com mais inclusão e menos desigualdade social, é possível.