Rivana Barreto Ricarte - Presidenta da Anadep
O Brasil é um país continental. Quantas vezes isso não é propagado? E claro, é a verdade. No mundo existem 192 países, mas dada a dimensão geográfica brasileira, cerca de 121 outros países cabem dentro dele. Apenas no Estado do Amazonas cabem cerca de 70 países. Do ponto de vista de clima, costumes e cultura, as diferenças no país também são continentais. O frio intenso da Região Sul, a chuva e a umidade amazônica, a seca do Nordeste.
Infelizmente, um país tão grande, com uma população de cerca de 214 milhões de pessoas, abarca desigualdades sociais estarrecedoras. De acordo com dados do IBGE, aproximadamente 187 milhões de pessoas no Brasil sobrevivem com menos de três salários mínimos por mês, representando cerca de 88% da população total. Dentro desse quantitativo, mais de 60 milhões possuem rendimento nominal mensal inferior a 1⁄4 do salário mínimo, condição que as torna miseráveis nos termos da legislação vigente.
Não é difícil constatar, desta maneira, que um grande número de brasileiros ainda não tem acesso a esses bens e serviços e, portanto, não exerce plenamente direitos constitucionais elementares, como moradia adequada, serviços de saúde, educação básica e até mesmo a liberdade – que lhes é retirada muitas vezes de forma arbitrária – e tantos outros dos quais são privados, atingindo-lhes a própria dignidade humana, fundamento maior de nossa República Democrática.
O crescimento consistente e sustentável de um país deve estar atrelado a Agenda 2030 da ONU que trata da construção de um mundo “justo, equitativo, tolerante, aberto e socialmente inclusivo no qual se satisfaçam as necessidades dos mais vulneráveis”. Ou seja, é necessário trabalhar pelo desenvolvimento social e pela redução das desigualdades, proporcionando a todas as camadas sociais o acesso a bens e serviços indispensáveis para uma vida com dignidade.
Não basta, contudo, proclamar que todos são iguais perante a lei, é necessário assegurar que todos tenham mecanismos de exercer seus direitos e, se necessário, resolver suas disputas por meios legais, bem como ser orientado acerca de seus direitos. É necessário construir diariamente novos presentes, e superar situações de exclusão. Esse é o trabalho da defensora e do defensor público em todo país.
São agentes de transformação social na medida em que escutam a demanda trazida pela população e transformam, através da garantia do acesso à justiça, aquela realidade. É fundamental que as pessoas conheçam seus direitos e acreditem que eles são para valer. É preciso que o cidadão e a cidadã disponham de ferramentas eficazes para a defesa de seus direitos.
A Constituição Federal de 1988 refletiu os anseios dos brasileiros por redemocratizar o Estado e construir uma “sociedade livre, justa e solidária” e concretizou em seu art. 134 o sonho de previsão de uma instituição autônoma que desse voz aos grupos sociais mais vulnerabilizados e pudesse, com a concretização do mandamento constitucional, fazer frente aos que violarem seus direitos. Desde então, são mais de 35 anos de história em que se luta pelo avanço e respeito institucional que precisa ser celebrada.
A Defensoria Pública é uma instituição indispensável para assegurar o Estado Democrático de Direito em sua maneira mais concreta. Sua missão institucional é promover, de forma integral e gratuita, em todos os graus de jurisdição, orientação jurídica e defesa da população sócio e economicamente vulnerabilizada no país, ou seja, de todos aqueles indivíduos e grupos de indivíduos que não podem arcar com as despesas de uma representação privada na defesa de seus direitos. Ter defensores(as) públicos presentes em todas as comarcas é dever do Estado e direito das pessoas em situações de vulnerabilidade. É metagarantia. É insurgir-se contra a manutenção meramente simbólica dos direitos.
Em 2002 foi instituída a Lei 10.448 que consagrou o dia 19 de maio como o Dia Nacional da Defensoria Pública. Nesta data se celebra a esperança. Defensoriar é esperançar. É uma data para celebrar a garantia de cidadania com a conquista de documentos pessoais básicos através da Defensoria Pública. É momento de celebrar todas as vidas que foram impactadas pelo atendimento de defensoras e defensores no difícil interior da Região Amazônica. Data em que se celebra a vida de crianças que foram acolhidas através do programa “Meu pai tem nome”, da Defensoria Pública de Goiás, e se celebra o povo de terreiro que pode praticar sua fé, a partir da atuação de defensores(as) públicos da Bahia. Como não celebrar hoje a luta contra o despejo nas grandes metrópoles do país e o trabalho para garantir o aluguel social em tempos de pandemia por defensores(as) de São Paulo?
O dia da Defensoria Pública é dia de celebrar a liberdade garantida após a defesa criminal em processos criminais cheios de vícios e nulidades em tantos estados brasileiros e que dependem de atuação técnica e combativa de defensoras e defensores que levam os recursos de maneira estratégica até os tribunais superiores em Brasília. É data para celebrar aquela mãe que conseguiu tratamento médico de alto custo que garantiu a vida de seu filho, aquele leito de UTI alcançado pela interposição de uma medida de urgência por defensores(as) que atuam nos núcleos da saúde do país.
Hoje se celebra as mulheres que foram acolhidas pela rede de proteção com o trabalho do núcleo de defesa da mulher vítima de violência doméstica da Defensoria mineira e que se repete em tantos estados. Também se celebra a atuação de defensores(as) em defesa da população em situação de rua que cresce todos os dias nas ruas das capitais do país. A celebração da Defensoria Pública é algo muito além de uma instituição estatal, é celebrar o próprio povo brasileiro, o exercício da cidadania, o acesso à justiça e a efetivação da Constituição Federal.
Por essas, e tantas outras celebrações, investir na Defensoria Pública brasileira é investir na maior instituição pública de defesa e assistência jurídica do mundo, que tem como missão dar voz aos ninguéns, aos filhos de ninguém, aos donos de nada, aos que não têm nome, aos que aparecem nas páginas policiais da imprensa local para que, um dia, parafraseando Eduardo Galeano: “estes ninguéns que custam menos do que a bala que os mata, possam ser muitos alguém”.
A Anadep acredita que, com o trabalho de defensoras e defensores, um outro presente é possível. Homenageia-se neste mês de maio todas as 7.200 defensoras e defensores do país que transformam o presente da população vulnerabilizada na medida em que transformam ação política em inclusão.