Nosso prenome é o que nos traz identidade, e nosso sobrenome, pertencimento. Um sobrenome que vem “do pai” ou “da mãe” carrega consigo uma série de memórias, de pessoas e de sentimentos. Mas o que fazer quando um sobrenome não significa nada disso ou quando as memórias que ele desperta são de solidão e abandono? Foi o que aconteceu com uma moradora de Cianorte, que buscou atendimento na Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR). Desde 2022, com a aprovação da Lei 14.382, pessoas maiores de 18 anos podem alterar seu prenome e sobrenome independentemente do motivo, mas a lei trata apenas de “inclusão e exclusão de sobrenomes em razão de alteração das relações de filiação”, isto é, quando o nome do pai ou da mãe vai ser acrescentado ou retirado da certidão. Mas, neste caso que aconteceu em Cianorte, a mulher não queria tirar o nome do pai de sua certidão, apenas o sobrenome dele de seu próprio nome.
“Ela nos procurou relatando que desde os quatro anos de idade não tinha qualquer contato com o genitor e, em razão do abandono afetivo e material, ela não reconhecia o homem registrado em sua certidão como, de fato, seu pai”, resume a defensora pública Amanda Oliari Melotto, que atua na sede da DPE-PR de Cianorte e atendeu o caso.
A mulher foi ouvida pela assistente social Grazielle Ganhão, que também atua na sede de Cianorte. Foi a partir do laudo produzido por essa profissional da equipe técnica da DPE-PR que a defensora pública acionou a Justiça para requerer a exclusão do sobrenome do genitor dos documentos da mulher. No laudo, a assistente social alega que esse era um desejo que perdurava há anos e que a mulher relatava que assinar o nome do pai lhe trazia sofrimento. “Inclusive, ela chegou aqui na Defensoria perguntando quanto ficaria para entrar com a ação, porque ela queria vender a bicicleta que tinha para pagar pelo serviço”, relata a assistente social. Mas cabe lembrar aqui que todos os serviços prestados pela Defensoria Pública são gratuitos.
Na decisão, a juíza responsável por julgar o caso destacou que, ainda que exista impossibilidades de alteração do nome, algumas situações, como este caso, são excepcionais, e o pedido da mulher de retirar um sobrenome que lhe remete ao abandono paterno se sobrepõe ao interesse público de imutabilidade do nome. Além disso, com a decisão, apenas o sobrenome será retirado e o nome do genitor continuará a constar na certidão, o que não afetaria os direitos de filiação da mulher ou os direitos de paternidade do pai. Em sua decisão, a juíza ainda mencionou o julgamento do Recurso Especial n.° 1.304.718 – SP, de 18/12/2014, da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que trata também da questão da supressão do sobrenome paterno em razão de abandono.
“A situação vivenciada pela assistida é, infelizmente, muito comum. No contexto brasileiro, conforme fizemos questão de expor no processo, são mais de 11 milhões de mães que criam seus filhos sozinhas”, explica a defensora pública. “A exclusão do sobrenome paterno nesses casos ficou alheia ao Direito por muito tempo, mas há alguns anos a Justiça vem permitindo a alteração em razão do abandono afetivo. É uma forma de adequar o registro à realidade vivenciada pela pessoa, priorizando o bem-estar humano”.