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13/06/2023

PR: Crianças e adolescentes no tráfico de drogas: ato infracional ou trabalho infantil?

Fonte: ASCOM/DPEPR
Estado: PR
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) de 2019, cerca de 1,8 milhão de crianças e adolescentes estava em situação de trabalho infantil no Brasil, um número que, estima-se, é muito maior. Grande parte dessas crianças e adolescentes, inclusive, executa atividades chamadas de "as piores formas de trabalho infantil", listadas na Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada e adotada pelo Brasil por meio do Decreto 6.481/2008.
 
Contudo, embora a Convenção em seu artigo 3º considere como uma das piores formas de trabalho infantil a “utilização, recrutamento e oferta de criança para atividades ilícitas, particularmente para a produção e tráfico de entorpecentes (...)”, esta forma de trabalho não consta na lista do Decreto, e a Justiça brasileira tem interpretado esses casos como atos infracionais análogos ao crime de tráfico de drogas. Deste modo, crianças e adolescentes que trabalham para o tráfico têm sido encaminhadas(os) para o cumprimento de medidas socioeducativas ao invés de receberem a proteção que o Estado deve oferecer àquelas(es) que são vítimas de trabalho infantil.
 
Para entender mais sobre este tema e sobre qual é o papel da Defensoria Pública do Estado do Paraná (DPE-PR) nesta discussão, conversamos com o defensor público Vinicius Santos de Santana, que atuou na área de Infância e Juventude por quase quatro anos nas sedes da DPE-PR de Cascavel e Foz do Iguaçu, e com o psicólogo Clodoaldo Porto Filho, homem negro que cresceu na periferia e também já trabalhou na área, com atuação nas sedes da Defensoria em Londrina e Umuarama, e que tem apontado a intersecção entre a criminalização e o racismo na vida de tais jovens.
 
Atualmente, Clodoaldo é presidente da Associação das Servidoras e Servidores da Defensoria Pública do Paraná (Assedepar) e integrante da Comissão Étnico Racial Lélia Gonzalez da associação. O defensor público Vinicius Santana atualmente trabalha na área Criminal na cidade de Colombo, região metropolitana de Curitiba.
 
A Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, considera o tráfico de drogas como trabalho infantil, porém, esse não tem sido o entendimento da Justiça, que ainda trata a conduta como um ato infracional. Como a Defensoria entende essa questão e qual tem sido a sua posição nas ações que envolvem crianças e adolescentes que “trabalham” no tráfico?
 
Vinicius Santana - É verdade, o sistema de justiça como um todo ignora que o tráfico é uma forma de exploração do trabalho infantil. Em verdade, reconhecem o tráfico de drogas como uma forma de ganho de dinheiro fácil pelo adolescente. No âmbito da Defensoria Pública, há tempos já se discute o tema, inclusive sob o viés da inconvecionalidade (não recepção dessa situação jurídica por convenções de proteção dos direitos humanos) do ato infracional equiparado ao crime de tráfico de drogas por adolescentes, pois não deveria ser possível o adolescente ser sancionado por ter sido vítima de uma exploração de trabalho infantil. No dia a dia do meu trabalho, por conta da celeridade dos processos de apuração de atos infracionais e da execução das medidas socioeducativas, verifiquei que é mais eficaz conversar com as equipes técnicas que são responsáveis pela execução da medida socioeducativa, buscando sempre esclarecer que o adolescente também é uma vítima daquela situação, e que por isso não deveria ser estigmatizado como transgressor da lei. O resultado fático por vezes era mais eficaz do que eventual interposição de recurso contra decisão judicial, já que as equipes técnicas são compostas de profissionais multidisciplinares que podem entender melhor a realidade do adolescente e buscar por um atendimento mais individualizado. Assim, eu buscava, dentro de um campo de educação em direitos, levar conhecimento para as equipes técnicas que trabalhavam com os adolescentes. Somente com a mudança de conscientização de quem atua com os adolescentes é que será possível garantir o direito à proteção integral.
 
 
 
A adolescência é um momento de muitas transformações e de busca por uma identidade no mundo. Como você, na condição de psicólogo e homem negro que viveu na periferia, analisa a necessidade de ter a acesso a bens materiais e dinheiro para consumir ao mesmo tempo em que a identidade está sendo formada? O que fazer para evitar que tais crianças e adolescentes sigam pelo caminho do tráfico, que é menos uma escolha e mais uma imposição decorrente da falta de oportunidades?
 
Clodoaldo Porto Filho - Vivemos em uma sociedade capitalista onde o consumo é a todo momento colocado e exaltado como o ideal de prosperidade e sucesso. Posto isso, frente a esse cenário, todo mundo que vive em uma sociedade capitalista se estrutura a partir dessa ideologia, e as pessoas da periferia não são diferentes. O grande problema do capitalismo é quando o ideal de consumo não se concretiza na prática, aí temos o desejo e a negativa de se concretizar o desejo, e a partir daí cada um irá procurar estratégias para dar vazão a esse desejo imposto socialmente. No caso dos adolescentes de periferia, o tráfico acaba sendo uma forma rápida de ter acesso a mercadorias e produtos que a maioria dos jovens brancos de classe média tem. Infelizmente, o ensino não parece ser uma oportunidade viável, até porque, como diriam "Os Racionais" na música “Mágico de Oz”, "ele se espelha em quem está mais perto", e muitas vezes não há um exemplo, na sua família ou no seu círculo de relações, pessoas que cursaram faculdades e universidades, e que mudaram as suas vidas a partir do ensino. É óbvio que as cotas e as politicas afirmativas auxiliaram muito, mas quando pensamos em 400 anos de escravidão, é lógico que precisaremos de gerações para modificar esse cenário.
 
 
 
A Defensoria, mesmo enquanto instituição que pertence ao sistema de Justiça, consegue oferecer um olhar mais tridimensional sobre os problemas da sociedade, por meio das equipes técnicas e do atendimento multidisciplinar. Como a instituição pode contribuir com a superação do trabalho infantil voltado ao tráfico de drogas, um problema atravessado por perspectivas diferentes, como questões sociais, econômicas, políticas e raciais?
 
Clodoaldo Porto Filho - A pergunta já traz uma infeliz afirmativa: o tráfico de drogas é representado e materializado nas periferias como uma das mais perversas manifestações do trabalho infantil, se é que isso é possível. O grande diferencial da Defensoria é esse: a perspectiva de trazer um olhar interdisciplinar para a questão. Quando eu digo interdisciplinar, e não multidisciplinar, é porque o multi seria uma espécie de divisão de vários olhares para um mesmo fenômeno social, mais ou menos no que temos no taylorismo, com cada um no seu quadrado ou na sua especialidade. Na visão interdisciplinar, o fenômeno é trabalhado de forma conjunta, é uma somatória de olhares, em vez de divisão de olhares. Acho que o trabalho interdisciplinar, quando posto em prática na Defensoria, tem alcançado ótimos resultados em questões como a socioeducação, pois um tema complexo como esse não será resolvido apenas pelo Direito, ou pela Psicologia; ele precisa de uma somatória de olhares que se cruzam e se interseccionam.
 
Vinicius Santana - O primeiro passo muito importante é estar sempre realizando a educação em direitos, principalmente para as equipes multidisciplinares que atuam com os adolescentes na execução das medidas socioeducativas. Ainda, a mesma educação em direitos precisa ser repassada a toda a sociedade, para que as pessoas entendam e passem a ver o adolescente como vítima de uma exploração, e não como criminoso. O rompimento da estigmatização é um passo crucial para a mudança de mentalidade. Também é importante que a Defensoria Pública passe a ganhar espaços de fala nos cursos de formação dos servidores da Polícia Civil, da Polícia Militar, do Ministério Público e do Poder Judiciário, o que viabilizará levar um conhecimento mais fático sobre o tema e com tentativa de diminuição da seletividade penal. Por fim, e tão importante quanto, é necessário que a Defensoria Pública levante dados precisos sobre quem são, onde moram e como vivem esses adolescentes que são explorados pelo trabalho infantil de tráfico de drogas, a fim de subsidiar estudos que possam modificar as decisões dos tribunais, e também direcionar a criação de políticas públicas.
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