Em outubro de 2021, a jovem Raquel, de 19 anos, até então sem sobrenome na certidão de nascimento, buscou a Defensoria Pública do Estado do Ceará porque à época não tinha o nome completo, nem os nomes dos pais, nem os dos avós no documento. Depois de uma ação judicial, ela conseguiu retificar toda a documentação. Maria Raquel Costa de Lima realizou o sonho de ter em mãos a certidão de nascimento e agora busca retificar o nome da filha: a pequena Raquelly. Só Raquelly.
A criança, hoje com cinco anos, carrega uma ausência de direitos repassada de mãe para filha. Quando a pequena nasceu, como a certidão de nascimento da mãe só tinha o nome Raquel, a menina foi registrada apenas como Raquelly. Ou seja, sem o nome do pai, sem os nomes dos avós, sem sobrenome.
Raquel sabe que, ao longo de toda a sua vida, não teve acesso a direitos fundamentais e por isso não quer que a filha passe pelo mesmo sofrimento. “Eu não consegui terminar meus estudos, quando precisava ir ao médico era um sufoco, porque o posto não aceitava o meu documento. Minha certidão de nascimento só tinha Raquel e eu não possuía nenhum outro documento, não tinha RG, nem CPF, nem título de eleitor, nem carteira de trabalho. Ninguém emitia documentos de uma pessoa sem sobrenome. E quando a minha filha nasceu, a certidão de nascimento dela ficou só como Raquelly. Só o primeiro nome dela. Eu sei o que é passar invisível e não quero que a minha filha passe por isso”, revela a mãe.
Quem está à frente do atendimento à família é a defensora pública Natali Massilon Pontes, supervisora do Núcleo de Atendimento e Petição Inicial. Para resolver as alterações na certidão de nascimento da Raquel, foi preciso entrar com uma ação judicial de adoção de maiores de 18 anos.
“Raquel é filha adotiva de uma senhora que faleceu há muitos anos e que não teve tempo de finalizar o processo adotivo. Coube à filha, Rosilene Lima, assumir a maternidade de Raquel. Comprovamos esse vínculo materno entre Raquel, Rosilene e Elizângela, companheira há mais de vinte anos de Rosilene. Reunimos várias provas com os documentos que elas possuíam e o poder judiciário determinou a procedência da adoção, que possibilitou não apenas que as duas mulheres, mães afetivas de Raquel, tivessem seu vínculo de parentesco reconhecido, mas também que a jovem pudesse ter direito a um nome e sobrenome. No entanto, agora estamos diante de uma outra situação: a concretização da ausência de direitos passada de geração a geração”, pontua Natali.
A ação judicial de retificação da certidão de nascimento da pequena Rakelly só aconteceu após a Defensoria Pública auxiliar, em parceria com o programa Sim, Eu Existo! , a emissão de todos os documentos pessoais de Raquel. O programa é desenvolvido pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), que trabalha de forma integrada com outras secretarias e instituições para assegurar os passos essenciais para o exercício da cidadania. Além da emissão do RG, foram providenciados ainda o CPF e o título de eleitor.
“Só seria possível fundamentar a nova ação no poder judiciário após Raquel ter todos os seus documentos pessoais. Então, resolvemos encaminhar para o projeto, porque temos uma parceria firme nessa questão e a equipe deu todos os encaminhamentos necessários”, acrescentou Natali. Raquel tirou RG, CPF e título de eleitor. É uma cidadã completa.
Agora acompanha de longe a ação de retificação do registro de nascimento da filha. “Eu acho que a minha felicidade de segurar a certidão de nascimento dela com o nome alterado vai ser maior do que quando eu estava com os meus documentos. Minha filha não vai passar pelas situações que eu passei, ela vai ter um futuro melhor, vai concluir os estudos, se formar, ter um emprego e ser muito feliz”, alegra-se.