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05/01/2022

O processo de expansão do Estado defensor

Fonte: Revista Justiça&Cidadania
A Constituição Federal reconheceu expressamente a importância do direito de acesso à Justiça integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos como instrumento para o exercício de direitos, redução de desigualdades sociais e expressão do regime democrático. Para tanto, institucionalizou a Defensoria Pública (art. 134 da Constituição Federal) como um dos sistemas mais avançados e modernos do mundo de prestação de assistência jurídica pública aos mais necessitados. 
 
O direito fundamental ao acesso à Justiça integra, portanto, o chamando mínimo existencial, razão pela qual sua materialização deve ser tomada como prioridade pelos órgãos de natureza política. Assim, o compromisso político de expansão da Defensoria Pública deve fazer parte da pauta de fortalecimento do Estado. 
 
Nesta seara, desde 1988, tem-se consagrado o aprimoramento legislativo e constitucional do Estado Defensor: a Lei Complementar (LC) nº 80/1994 instituiu a lei orgânica e regulamentou a Defensoria Pública; a Emenda Constitucional (EC) nº 45/2004 concedeu a autonomia administrativa às Defensorias Públicas estaduais e distrital, consagrando a possibilidade de elaborar sua proposta orçamentária; a LC nº 132/2009 deu nova feição à Instituição, inclusive para atuação coletiva, colocando o(a) defensor(a) como agente de transformação social; e, por fim, a EC nº 80/2014 previu que até 2022 todas as unidades jurisdicionais devem contar com a presença da Defensoria Pública, o que representa um marco importante para o constitucionalismo brasileiro contemporâneo. 
 
Todo este arcabouço legislativo imprimiu padrão nacional para organizar a atuação da Defensoria Pública, desde o atendimento inicial individual até os tribunais superiores, oferecendo aos grupos vulnerabilizados a tutela coletiva nas mais diversas áreas, e realizando educação em direitos que promova cidadania e a solução extrajudicial de conflitos que pacifica as relações de maneira mais eficiente e menos custosa. 
 
Para acompanhar a evolução numérica/quantitativa da expansão da Defensoria Pública, a Anadep tem firmada a parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para o desenvolvimento do projeto Mapa das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital. Os dados da pesquisa demonstram que entre 2013 e 2020 a presença das Defensorias Públicas nas comarcas de todo o País evoluiu positivamente, tanto em termos de número de comarcas atendidas, quanto em termos de número de defensoras e defensores em atuação. 
 
As Defensorias Públicas dos estados e do Distrito Federal, em 2013, encontravam-se em 754 comarcas do País, ou seja, em apenas 28% das comarcas. Havia cerca de 4.500 defensoras e defensores em atuação-fim. Hoje, a Defensoria Pública está presente em 1.162 de 2.762 comarcas, ou seja, em 42% das comarcas. Na pesquisa realizada em 2019-2020 – o II Mapa das Defensorias Públicas Estaduais e Distrital, lançado nesse mês de agosto de 2021 – o número de defensoras e defensores públicos apontado é de 6.027 cargos providos e 5.913 cargos em atuação-fim. Esse número, porém já evoluiu em razão de concursos públicos e nomeações ocorridas entre maio de 2020 e maio de 2021, de modo que o Brasil já alcançou a marca de 6.235 defensoras e defensores estaduais e distritais.
 
Em 2013, os estados de Santa Catarina e Paraná, embora possuíssem Defensoria Pública, estavam em processo de realização dos seus primeiros concursos públicos. Já o caso de Goiás chamava atenção porque, embora criada, a Defensoria Pública passou a existir efetivamente nos moldes constitucionais apenas em 2015, com a nomeação e posse das primeiras defensoras e defensores públicos. No Amapá, a instalação da Defensoria Pública veio a acontecer em 2019. 
 
De fato, seis anos após a promulgação da EC n° 80, a Instituição já está instalada em todas as Unidades da Federação e presente diretamente em 1.162 comarcas. Contudo, se os números apontam para o avanço, é importante revelar o que esta por traz deles.
 
O Brasil possui população de cerca de 211,8 milhões de habitantes e, de acordo com o IBGE, cerca de 88% da população brasileira é potencial usuária dos serviços da Defensoria Pública. O Diagnóstico do Ministério da Justiça de 2015 aponta que o ideal é um(a) defensor(a) público(a) para atender cada grupo de 15 mil pessoas, adotando apenas o critério do rendimento. 
 
Os estados com os piores índices são Paraná, Goiás, Santa Catarina, São Paulo e Rio Grande do Norte. O Estado do Paraná, por exemplo, tem um defensor público para atender a cada grupo de 84.816 pessoas. Já Goiás tem um defensor público para atender a cada grupo de 69.788 pessoas. Logo atrás aparecem Santa Catarina, com um defensor para cada 54.076 pessoas, São Paulo, com um para 42.727 pessoas, e Rio Grande do Norte, com um defensor para atender 40.871 pessoas.
 
Os dados revelam que seriam necessários, hoje, ao menos 4,7 mil defensores(as) públicos(as) nos estados e no Distrito Federal a mais para atender toda a demanda existente. Ou seja, um aumento de 79,4% de profissionais na carreira. Isso quer dizer que cerca de 58% das comarcas do País, a população conta apenas com juízes e promotores, mas não conta com defensoras e defensores em igual proporção para a promoção da sua defesa. 
 
Trata-se de fatal descumprimento da regra constitucional, cuja interpretação remete ao fato de que a composição mínima de cada comarca deve consistir em um membro da judicatura, um membro do Ministério Público e, por fim, um membro da Defensoria Pública (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 235, VII).
 
Muito se questiona a respeito das razões para que o avanço esperado não tenha sido ainda alcançado. Além do subfinanciamento orçamentário da Instituição – especialmente quando comparado com outras instituições com as quais possui paridade constitucional – cita-se as reformas constitucionais que vêm sendo realizadas depois de 2014. A EC nº 95/2016, que estabeleceu o congelamento dos gastos públicos por 20 anos, corrigidos apenas pela inflação, é uma delas. Com o congelamento, a implementação de direitos sociais como saúde e educação foi suspensa, tal como a implementação da dimensão organizacional do acesso à Justiça pela Defensoria Pública.
 
Isso tudo leva a dois aspectos: redução de direitos e aumento de demanda jurídica. Reduzir direitos sociais leva, necessariamente, ao aumento da vulnerabilidade social. Tecidos sociais frágeis implicam na ampliação da judicialização, especialmente por parte da população em contexto de vulnerabilidade, e isso exige a Defensoria Pública mais forte e presente. 
 
Os dados produzidos pelo II Mapa das Defensorias também buscam revelar a disposição espacial dessas defensoras e defensores públicos, a partir do cruzamento da base territorial com informações socioeconômicas e indicadores selecionados. Com isso, se pretende demonstrar a necessidade de investimento em políticas públicas nas áreas mais carentes, contribuindo com o planejamento da atuação institucional das Defensorias, o que está intimamente relacionado com a melhoria constante da prestação do serviço público.
 
A presença das Defensorias Públicas no território nacional certamente tem contribuído para a democratização do acesso à Justiça e à promoção da cidadania no Brasil. Os casos mais relevantes do Judiciário dos últimos tempos foram decididos a partir da atuação da Defensoria Pública. O impacto do não fortalecimento e ampliação do Estado Defensor reflete diretamente no cidadão que deve ser protegido. 
 
Por esta razão, na garantia da regularidade da balança da Justiça, é preciso reconhecer os avanços alcançados, mas manter em alerta a “consciência constitucional” dos atores políticos de que Defensoria Pública forte e presente em todas as comarcas é um direito das pessoas em situações de vulnerabilidades e uma economia para o Estado.
 
Notas__________________________
 
1 BARCELLOS, Ana Paula. “A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana”. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 248 e 305.
 
2 Dados do I Mapa da Defensoria Pública no Brasil, disponiveis em https://www.anadep.org.br/ wtksite/cms/
 
conteudo/39420/mapa_da_defensoria_publica_no_brasil_impresso_.pdf
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