A Defensoria Pública de SP obteve no Tribunal de Justiça paulista (TJ-SP) uma ordem de habeas corpus, com salvo conduto para que uma paciente com doença de Crohn, fibromialgia e artrose no quadril possa cultivar, em sua residência, cannabis sativa (maconha) para fins medicinais, até que ela consiga o custeio estatal para obtenção do remédio adequado.
Consta no processo que Marina (nome fictício), portadora da doença de Crohn - síndrome crônica que afeta o sistema digestivo - e diagnosticada também com fibromialgia e artrose nos quadris, apresenta intenso sofrimento físico e psicológico em virtude de seu quadro de saúde. Diversos medicamentos foram utilizados para controlar e amenizar seu sofrimento, porém ou os remédios não produziam os efeitos esperados, ou eram de valor financeiro inacessível.
Documentos médicos apresentados nos autos, no entanto, demonstraram que a paciente obtinha melhora significativa de seu quadro de saúde com o uso terapêutico de cannabis sativa, sendo recomendada a continuação deste tratamento.
Marina já havia obtido autorização da importação do medicamento à base dessa substância pela Anvisa, mas os custos são muito altos, o que inviabiliza essa importação. Assim, na ação apresentada à Justiça, as Defensoras Fernanda Penteado Balera, Leticia Marquez de Avelar e o Defensor Davi Quintanilha Failde de Azevedo, que compõem a Coordenação do Núcleo de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria, apontaram que a solução preparada em casa possui os mesmos componentes utilizados na medicação industrializada, o que poderia viabilizar o tratamento da paciente.
Na ação, a Defensoria pediu salvo conduto para que Marina pudesse cultivar a planta em casa e para que as autoridades sejam impedidas de efetuar sua prisão em flagrante e de destruir as plantas cultivadas para fins medicinais. O pedido, no entanto, foi indeferido em primeira instância, o que fez a Defensoria levar o caso ao TJ-SP, apontando que há previsão legal, na Lei 11.343/06, de que a União possa autorizar, para fins medicinais, o plantio, cultura e colheita da cannabis.
"No presente caso, Marina está na iminência de sofrer uma coação, vez que o plantio e uso de cannabis não está completamente regulamentado, conforme prevê a legislação pátria. Apesar de o cultivo e produção caseira de canabinóides configurar medida essencial para a garantia dos direitos fundamentais da paciente, e que, além disso, a correta interpretação constitucional abre possibilidade para o regular exercício deste direito, a União ainda não cumpriu seu dever legal de regulamentação deste tipo de prática", afirmam as Defensoras e o Defensor responsáveis pela ação.
O caso teve atuação também do Agente psicólogo Marcos Antonio Barbieri Gonçalves, do Centro de Atendimento Multidisciplinar (CAM) da Defensoria Pública em Campinas, que elaborou relatório técnico acerca da situação vivenciada por Marina.
No julgamento do recurso, os Desembargadores da 8ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP analisaram que a situação apresentada autoriza a concessão do salvo conduto. Além da previsão da Lei 11.343/06, citaram ainda outras normativas infraconstitucionais e projetos de lei (514/2017) que caminham no sentido de maior abrandamento das normas proibitivas no que se refere ao uso medicinal de cannabis. "Referidas mudanças são esperadas, uma vez que a legislação que garante e regula o direito à saúde deve sofrer constantes atualizações com o fim de acompanhar os avanços tecnológicos e medicinais, permitindo, assim, o efetivo acesso ao direito à saúde do cidadão. Entretanto, a questão da autorização para cultivo domiciliar da planta para fins medicinais, ainda sem perspectiva de solução definitiva, não pode obstar o tratamento que se mostrou mais eficaz para amenizar sofrimento físico e psicológico da paciente, ante a supremacia do interesse à vida".
Nesse sentido, aplicando princípio da proporcionalidade, a fim de evitar que sejam imputados ilícitos penais à paciente, "que busca tão somente viabilizar seu tratamento médico, em prestígio à dignidade da pessoa humana e ao direito à saúde, de forma a atenuar o seu intenso sofrimento", autorizaram, excepcionalmente para o caso de Marina, o cultivo de Cannabis com finalidade estritamente medicinal, permitindo-se a extração artesanal das substâncias necessárias à produção do óleo caseiro receitado por seu médico.
Os Desembargadores concederam, ainda, salvo-conduto para que os agentes se segurança sejam impedidos de prendê-la em razão do cultivo de no máximo 8 plantas desta espécie em sua residência, até que ela consiga o custeio estatal para obtenção de medicamento que esta planta substitui.