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29/10/2020

Carta FJ 2020 para um Modelo de Justiça Integrador

Fonte: Fórum Justiça
Por meio de cinco sessões virtuais entre setembro e outubro de 2020, o Fórum Justiça realizou, em parceria com Artigo 19, ColetivA Mulheres Defensoras Públicas do Brasil e JUSTA, e com o apoio de uma ampla rede de movimentos sociais e organizações, o “Colóquio Deborah Duprat: por um modelo de justiça integrador”.
 
A partir das contribuições dadas por seus participantes – representantes de movimentos e organizações sociais, de setores acadêmicos e atores do sistema de justiça – nos inspiramos para destacar questões dirigidas a condensar um modelo de justiça integrador, dedicado a implementar políticas de redistribuição de recursos, reconhecimento de especificidades e incremento da participação popular.
 
Baixe aqui o arquivo da carta.
 
Concluímos que:
 
1. A compreensão de que o direito está imerso em relações políticas, econômicas e sociais que o transcendem, a exemplo do racismo, do sexismo, colonialismo e demais opressões instaladas no meio social e espelhadas no Estado, que precisam ser conhecidas de maneira interdisciplinar pelos atores do sistema de justiça para que possam estar preparados para enfrentar as complexidades dos conflitos em que advogam ou que decidem;
 
2. Nesse sentido, mais do que um papel protagonista e transformador, o direito tem atuado como um elemento de estabilização ou desestabilização das mudanças sociais e, por isso, se faz necessário pensar seu lugar estratégico ao lado de atores hegemônicos e contra-hegemônicos;
 
3. Devemos pensar a seletividade jurídica não como uma patologia, um mau funcionamento que incide no sistema de justiça desde fora. Devemos ter em mente que o direito intrinsecamente produz racialização, além de outras formas de subalternidade. O direito não apenas incide sobre a raça, mas cria e estabiliza o viés da raça no trato das relações sociais como forma de gerir o contingente negro indesejado. Assim, o direito tem sido uma ferramenta de necropolítica, como modo de exercício da soberania e governo dos corpos, que decide quem vive e quem morre ou pode ser deixado para morrer;
 
4. O sistema de justiça é percebido como um campo habituado à eliminação do dissenso e da democracia interna, com processos eleitorais internos sem publicidade e acostumado a exigir subserviência no trato. Nesse cenário, o papel da sociedade civil é o de produzir constrangimento, romper silenciamentos e denunciar a reprodução de hierarquias;
 
5. O sistema de justiça está afeito a reformas de gabinete, propostas e sustentadas por atores do topo da estrutura hierárquica, sem respeito a amplo e sofisticado diagnóstico empírico e multidisciplinar e sem considerar o acúmulo de movimentos sociais. Um sistema de justiça integrador e democrático está aberto a ser escrutinado e criticado por pesquisadores independentes;
 
6. Mudanças rumo a um sistema de justiça integrador incluem necessariamente:
 
a. estabelecer uma composição orgânica das instituições que seja mais representativa da diversidade étnico-racial, de gênero e das pessoas com deficiências, dentre outras especificidades da população brasileira;
b. questionar insistentemente a neutralidade das normas jurídicas e a imparcialidade das instituições e respectivos agentes;
c. usar as normas para incluir sujeitos;
d. estabelecer forma efetiva e com escolha direta de representação da sociedade civil no Conselho Nacional de Justiça e no Conselho Nacional do Ministério Público;
e. assegurar que as faculdades de direito sejam ocupadas por professores em regime de dedicação exclusiva com domínio de ferramentas teórico-metodológicas sofisticadas que avancem sobre o formalismo normativo; e independentes das outras profissões jurídicas, de modo que não reproduzam suas hierarquias no interior das faculdades;
 
7. O enfrentamento ao racismo institucional no sistema de justiça é uma urgência para a construção de um sistema de justiça integrador e ele se funda no questionamento das políticas universalizantes que não atentam ao contexto específico de diferentes populações. São necessárias políticas públicas de justiça estrategicamente assimétricas, com a finalidade de efetivamente integrar essas populações, afastando-se da pretensão de neutralidade jurídica típica do racismo;
 
8. Agremiações de membros do sistema de justiça pertencentes a grupos minoritários, como mulheres e negros, a exemplo da ColetivA Mulheres Defensoras Públicas do Brasil e do Encontro Nacional de Juízes Negros (ENAJUN), devem ser estimulados como forma de romper com o silenciamento e de propor políticas judiciais integradoras;
 
9. Um modelo de justiça integrador reconhece o papel minimalista do direito penal e rompe com o processo de imunização da violência policial por meio do questionamento da ampla militarização da segurança pública e dos seguintes elementos:
 
a. Regulamentação do uso de armas letais e não letais pelas polícias e definição de protocolo unificado para a abordagem policial;
b. Investigação de homicídios causados por policiais identificados como autos de resistência e resposta à conivência do Ministério Público e do Poder Judiciário por meio do constrangimento e da denúncia do racismo institucional;
c. Denúncia da reprodução do racismo e do estereótipo criminal (label) que tem levado à absolvição sistemática nos julgamentos de policiais pelo tribunal do júri;
d. Responsabilização pessoal de agentes de Estado de alto escalão como secretários de segurança e governadores por ações de violência policial, tendo em vista que apenas os policiais de baixa patente são responsabilizados;
e. A presença de sujeitos negros no sistema de justiça criminal como forma de contestar a prevalência da gestão branca da morte de pessoas negras;
f. A implementação de medidas de controle e monitoramento das ações policiais via GPS, identificação do policial, do percurso e tempo, com identificação de promotor responsável pela supervisão e investigação;
 
10. A democracia depende do exercício da liberdade de expressão, que só pode ser concretizada por meio do acesso a fontes seguras de informação, sob o risco de se passar por um encaminhamento da opinião e não uma livre expressão. Nesse cenário, um sistema de justiça integrador é calcado na limitação do uso do direito penal, na preservação de fontes seguras de informação pelo reforço de contra-narrativas embasadas em contraponto às notícias falsas; e em uma magistratura e membros do Ministério Público independentes e com direito de expressar a sua opinião;
 
11. Um modelo de justiça integrador fomenta a preservação da memória institucional do sistema de justiça com o propósito de iluminar a resistência propositiva e emancipatória travada no âmbito desse sistema;
 
12. As práticas, saberes e a juridicidade do direito produzidos pelos grupos indígenas e tradicionais deve ser incorporada e validada em uma concepção pluralista do direito brasileiro, em um processo de reconciliação que vise superar o colonialismo do Estado brasileiro e do sistema de justiça em particular. Isso implica, dentre outros, o questionamento da morosidade dos processos de demarcação de terras e o reforço dos órgãos de proteção dos indígenas com a sua participação nos mecanismos de governança;
 
13. Um sistema de justiça integrador reconhece a dignidade da natureza e o seu papel na preservação ambiental. Reconhece também a importância dos povos indígenas e tradicionais na defesa das florestas e do bem-viver. Ele busca compreender esse papel por meio de cartografias e outras metodologias que preservam e potencializam a autodeterminação desses povos.
 
Esse documento é um recorte do conjunto de ideias que circulou pelas cinco sessões do Colóquio Deborah Duprat: por um modelo de justiça integrador. O Fórum Justiça o recepciona com o compromisso de contribuir para avançar rumo à concretização de um modelo de justiça integrador.
 
Quer conhecer mais conteúdos do Colóquio?
 
Assista a gravação de todas as sessões no Canal Fórum Justiça no YouTube (yt.vu/+ForumJustica). Aqui no site do Fórum Justiça também estão disponíveis informes com as principais discussões de cada dia.
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