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26/06/2018

10 fatos marcantes em 10 meses de Defensoria Pública

Fonte: JUSTIFICANDO
Ser Defensor Público é um misto de sentimentos de felicidade e realização diários. A cada dia, sou mais grato por poder estar na posição em que estou e realizar o meu trabalho. No entanto, estar nesse lado também nos faz vivenciar os absurdos do dia a dia, enxergar o mundo real (e não aquele da TV) e participar de situações que jamais serão encontradas em nenhum livro de Direito. Como estou completando 10 meses de Defensoria Pública Criminal, quis compartilhar com vocês 10 fatos marcantes que rapidamente me lembrei durante uma breve reflexão. Vamos a eles:
 
1º) Das centenas de assistidos que já defendi, cinco iniciaram o Ensino Médio, dois deles o completaram e nenhum sequer iniciou o Ensino Superior.
 
2º) Ainda não me deparei com nenhum latrocida ou psicopata, nenhum mesmo. Por outro lado, já perdi as contas de quantos acusados por furto em supermercado, ou de fios de cobre, ou de galinha (ou pato), inclusive tentados, já assisti.
 
3º) Já fiz audiência de custódia de uma pessoa que foi presa por chutar um bebedouro em um ponto de ônibus porque seu ônibus estava demorando a chegar. E, acreditem, o juiz a manteve presa após a audiência!
 
4º) Vi uma pessoa ficar presa preventivamente por quase 01 ano, por seu processo ter ficado perdido e esquecido na Vara. Esse fato ocorreu com um colega meu.
 
5º) Tive que entrar com alguns Habeas Corpus para que pessoas condenadas ao regime semiaberto tivessem o direito de cumprir suas penas no regime semiaberto, e não no fechado. Até o momento saiu o resultado de um deles, e eu perdi (liminar e mérito).
 
6º) Já fiz audiência de custódia de uma pessoa que ficou presa porque estava em situação de rua e não tinha endereço para informar, mesmo o crime não admitindo a prisão preventiva.
 
7º) Já fiz audiência de custódia de uma pessoa que estava sendo acusada de crime que não admitia prisão preventiva, que o promotor havia pedido a sua liberdade provisória, que era primária, mas que o juiz entendeu por bem decretar a preventiva de ofício.
 
8º) Vi um juiz aumentar a pena base de um acusado por ele ser músico. É isso mesmo que você leu!
 
9º) Já fiz audiências de custódia em que o crime não admitia a prisão preventiva, mas o juiz mantinha a fiança. E a mantinha em um valor alto. Fazendo com que nossos assistidos ficassem presos literalmente por serem pobres. Nos HC’s, nem sempre ganhei esse tipo de liminar.
 
10º) Fiz audiência dia desses de uma acusação (bem pesada) por roubo de carga e associação criminosa. Não havia flagrante, mas após investigação policial, o meu assistido havia sido apontado como quem havia entrado com a arma no caminhão e rendido o motorista. Na audiência, o motorista olha pra ele, e afirma que tem certeza de que o assaltante não era ele (“era mais claro e mais alto”). Testemunhas policiais não conseguem se lembrar direito e se contradizem quando questionados como chegaram até o acusado durante a investigação. Resumo da ópera: Não era ele. Ele estava preso na data do fato, havia mais de 2 anos. E esse foi o “brilhante” trabalho de investigação realizado, que não conseguindo encontrar o verdadeiro autor do crime, jogou nas costas de um qualquer uma pena que poderia chegar a mais de 10 anos.
 
Enfim, estes foram somente alguns fatos que me ocorreram em uma breve lembrança das experiências que tive nesse pequeno – mas intenso – período de Defensoria Pública. Escrevo este texto porque acredito que estes descasos devem sair de dentro das nossas quatro paredes e ser compartilhados com todos aqueles que não conhecem o Direito Penal na prática. Que o nosso real Sistema de Justiça seja cada vez mais debatido – e desmascarado – por todos que atuam na área, para que, daqui alguns anos, tenhamos melhores histórias para contar, e não mais artigos como esse para escrever.
 
Philipe Arapian é Defensor Público de Goiás e ex-assistente jurídico da Promotoria de Justiça de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo.
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