A Defensoria do Estado enviou para o governo paulista, neste mês, um pedido para o fim de revistas íntimas em familiares de detentos nos presídios de São Paulo. O ofício encaminhado ao governador Geraldo Alckmin revela que, em 2013, apenas 0,016% aproximadamente uma visita e meia em cada dez mil tenta entrar com objetos proibidos (drogas, armas e aparelhos celulares).
Os dados foram colhidos pela ouvidoria geral e o Núcleo Especializado de Situação Carcerária da Defensoria Pública do Estado de São Paulo junto a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária).
Segundo o defensor público Bruno Shimizu, o levantamento revela que o procedimento de revista íntima é ineficaz, além de vexatório.
A intenção da defensoria é colaborar para que o governador sancione o projeto de lei nº 797/2013, aprovado pela Assembleia Legislativa de São Paulo no início do mês, e contribuir para a discussão e aprovação, pela Câmara dos Deputados, do projeto de lei nº 480/2013, aprovado pelo Senado no mês passado. Os projetos visam proibir a realização de revistas íntimas em visitantes para o ingresso nos estabelecimentos prisionais.
Para Cláudio Edward dos Reis, vice-coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Relações de Gênero da Unesp (Universidade Estadual Paulista), a revista íntima é uma humilhação que não resolve a entrada de drogas e aparelhos celulares.
Shimizu diz que os relatos de familiares são extremamente chocantes. Há relatos de crianças que foram obrigadas a abrir as partes íntimas na frente de outras cerca de dez pessoas, depois de verem sua mãe passar pela mesma revista. Tivemos denúncia de uma senhora de cerca de 70 anos que não conseguia agachar repetidas vezes e, ainda assim, foi forçada a fazê-lo, acabando por cair e se machucar.
A Secretaria da Administração Penitenciária informou, por meio de nota, que as revistas aos familiares de presos são rigorosas, não sendo constrangedoras, nem vexatórias. Também são rigorosas as revistas efetuadas aos servidores do sistema penitenciário e aos funcionários de empresas que também entram nas prisões paulistas, como também são rigorosas as revistas efetuadas em veículos, sedex e artigos utilizados pelos presídios.
Entretanto, de acordo com os dados da própria SAP, em 2013 foram feitas 8.671 apreensões (aparelhos celulares, armas e drogas) nos presídios de São Paulo. Dessas, 8.297 (95%) foram achadas em áreas externas, no interior das celas, com agentes da SAP ou com advogados. Os outros 5% dos objetos foram achados com os visitantes.
Para Reis, a pesquisa revela que outras medidas devem ser tomadas para combater a entrada dos objetos. Nos Estados Unidos, por exemplo, a revista acontece nos próprios detentos e a prática da revista íntima nos visitantes é, simplesmente, vista como maus tratos e tortura. A prática é terminantemente proibida lá.
O defensor Bruno Shimizu ainda sugere outras alternativas para acabar com o procedimento no Estado de São Paulo: a revista humanizada já seria o suficiente para a garantia da segurança, sendo a alternativa mais barata e menos invasiva. Também seria possível a contratação de scanners corporais, o que praticamente reduziria a zero o risco de entrada de qualquer objeto proibido, especialmente porque não apenas os visitantes passariam pelo aparelho, mas também os advogados, agentes penitenciários, religiosos, defensores, magistrados e promotores, bem como outras pessoas que acessam o cárcere. Assim, seria um investimento que não apenas serviria à promoção dos direitos humanos, mas também teria impactos muito positivos para a segurança.
Para o governador Geraldo Alckmin, no entanto, o custo dos scanners é alto e varia entre R$ 450 mil e R$ 500 mil. Ele afirmou, no início do mês, que a proposta está sob avaliação.
Shimizo diz que a secretaria de assuntos legislativos da Casa Civil do Estado recebeu, também em julho, uma comissão composta pela defensoria e por diversos outros órgãos da sociedade e foi muito solícita. Ela se comprometeu a levar as observações até o governador. Não houve, contudo, qualquer resposta definitiva acerca da sanção ou não do projeto.
Exemplos
Alguns estados brasileiros já aboliram a revista em presídios, segundo a Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Em Goiás, por exemplo, a revista vexatória foi abolida sem qualquer gasto. Atualmente, naquele Estado, são utilizados os equipamentos já existentes (detectores de metal) e a revista pessoal é feita de forma humanizada.
Na comarca de Joinville, em Santa Catarina, este procedimento também foi proibido pelo juízo local.
Há outros Estados que vêm tomando medidas para, pelo menos, restringir esse tipo de revista. Em todos esses casos, os dados colhidos antes e depois da proibição demonstram que não houve nenhum acréscimo na apreensão de objetos ilícitos, o que apenas reforça a inutilidade dessa violação de direitos humanos e da dignidade dos familiares e amigos de pessoas presas, explicou o defensor Bruno Shimizu.
A SAP reforça que não há violação de nenhum dispositivo legal no atual modelo de revista em São Paulo. Graças a esses procedimentos, ultimamente não há apreensões de armas nas prisões, diz em nota.