Carlos Eduardo Rios do Amaral, Defensor Público do Estado do Espírito Santo, é titular do Núcleo Especializado de Promoção e Defesa Dos Direitos Individuais e Coletivos da Mulher (NUDEM) da Capital
Questão posta diariamente frente a Juízes, Promotores e Defensores Públicos que atuam perante os Juizados de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher é a questão da visitação paterna aos filhos, quando deferida medidas protetivas de urgência contra o cônjuge ou companheiro varão.
A prática nos revela que, regra geral, as medidas protetivas de urgência mais solicitadas pelas vítimas e deferidas pela Justiça são as proibições de aproximação, de contato e de frequentação de determinados lugares.
Acontece que, na maioria esmagadora dos casos, os filhos menores do casal acabam ficando com a guarda de fato ou de direito da mãe, ou seja, da vítima, daquela beneficiária das medidas protetivas. Enquanto que ao agressor restaria o sagrado direito de visitação nos dias acertados pelo juízo ou combinado pelas partes.
Daí, restariam as seguintes indagações: como o cônjuge varão – o agressor – poderia efetivamente concretizar seu direito de visitação se as medidas protetivas de urgência impõem um raio de distância proibitivo aparentemente instransponível? As medidas protetivas de urgência automaticamente restringiriam o direito de visitação paterna aos filhos menores?
É bom esclarecer. Apenas a medida protetiva de urgência de restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores possui o condão de temporariamente adiar a visitação paterna. Nenhuma outra medida protetiva possui este efeito cautelar extremo. Nenhuma.
É o que preconiza a Lei Maria da Penha, em seu Art. 22, Inciso IV:
“Seção II
Das Medidas Protetivas de Urgência que Obrigam o Agressor
Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
(...)
IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar”.
Destarte, o agressor poderá estar até mesmo judicialmente afastado do lar ou preso provisoriamente que continuará podendo exercer seu direito de visitação aos filhos menores. No segundo caso, se os avós paternos ou algum parente próximo assim se dispuser e puder conduzir o menor regularmente até a penitenciária onde se encontra o agressor custodiado.
Com maior razão, as tradicionais medidas de proibição de aproximação, de contato e de frequentação de determinados lugares, não elidem o direito de visitação paterna.
Importante salientar que a ofendida possui o dever processual de não criar obstáculos à efetivação da visitação paterna, incluindo aí sugerir alternativas para que essa visitação se concretize. Claro, sempre preservando-se o comando judicial protetivo deferido a seu favor. Para tanto, deverá ser eleita terceira pessoa, comum ao casal, para retirada e devolução do menor do lar materno. O agressor jamais poderá participar ou assistir diretamente essa retirada da criança, sob pena de romper o raio de distância protetivo judicialmente fixado pela medida protetiva de urgência, com todas as suas consequências (prisão preventiva).
Em alguns casos, e isso não é raro, a visitação paterna não passa de um artifício ou ardil do agressor para mais uma vez investir contra sua vítima ou postergar o seu sofrimento psicológico, não tendo mesmo o agressor nenhum interesse ou afeto sobre a criança. O desejo do agressor seria o de apenas consumar a destruição física, moral ou psicológica da mulher. Nestes casos, a alienação parental feita pelo agressor seria uma obstinação acessória.
Se esta for a situação real, de afronta à incolumidade da mulher, caberá à mesma comunicar o fato com urgência e brevidade ao Defensor Público ou Promotor de Justiça titulares do Juizado de Violência Doméstica, para que sejam adotadas todas as medidas judicias cabíveis, como, p. ex., requerer-se a medida protetiva de urgência de suspensão de visitas aos dependentes menores. Para tanto, a Lei Maria da Penha é profilática:
“As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados”.
Ainda, oportuno destacar que a partícula “e familiares” previstas nas medidas protetivas de urgência de proibição de aproximação e de contato, por interpretação sistemática, não alcançam os filhos menores do casal, porque, como visto, para restrição de visitação paterna a lei de regência prevê dispositivo normativo próprio.
A participação das Equipes de Atendimento Multidisciplinares, compostas por psicólogos e assistentes sociais, são de grande valia para verificação da exposição de crianças a situação de risco, ocasionadas pela violência doméstica. Tanto que a Lei Maria da Penha, numa interpretação literal, parece condicionar o deferimento da medida protetiva de urgência de suspensão de visitas aos dependentes menores à sua prévia oitiva e confecção de subsídios por escrito.
Em casos extremos, de iminente risco ou perigo de dano irreversível para o menor, o Juiz poderá, dentro de seu poder geral de cautela, conceder imediatamente a medida protetiva de restrição de visitação paterna, postergando-se a oitiva da Equipe Multidisciplinar para depois da efetivação da decisão acautelatória. O que acontece muito nos casos de suspeita de violência sexual praticada pelo agressor contra os filhos, mesmo que ainda a se apurar em procedimento penal distinto.