Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo
Inegavelmente, a pulverização de multifárias demandas individuais é fator de entrave e engessamento do Poder Judiciário, trazendo descrença ao jurisdicionado. A atomização das lides, hoje, está fora dos propósitos da sociedade moderna, que busca celeridade e molecularização das demandas.
As ações civis públicas, assim, podem ser traduzidas como instrumento de facilitação do acesso coletivo à Justiça, viabilizando a otimização da entrega da prestação jurisdicional, abrangendo seu veredicto final a toda uma coletividade atingida em seus direitos fundamentais.
A Defensoria Pública como expressão do regime democrático, sentinela da prevalência e efetividade dos direitos humanos do cidadão e da cidadã e de todos os grupos sociais vulneráveis da Nação talvez seja a Instituição de quilate constitucional mais afinada com a questão da desejada resolução coletiva dos conflitos, mormente aqueles relativos à criança e o adolescente, afrodescendentes, homossexuais, índios, idosos, pessoas portadoras de necessidades especiais, toxicômanos, consumidores e mulheres vítimas de violência de gênero e discriminação.
Não é por outra razão que o Eminente Ministro HERMAN BENJAMIN, do Colendo SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, em recente julgado, se manifestou com sua costumeira sabedoria em Acórdão que restou assim ementado:
“ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO À EDUCAÇÃO. ART. 13 DO PACTO INTERNACIONAL SOBRE DIREITOS ECONÔMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. DEFENSORIA PÚBLICA. LEI 7.347/85. PROCESSO DE TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA EM INSTITUIÇÃO DE ENSINO. LEGITIMIDADE ATIVA. LEI 11.448/07. TUTELA DE INTERESSES INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS.
1. Trata-se na origem de Ação Civil Pública proposta pela Defensoria Pública contra regra em edital de processo seletivo de transferência voluntária da UFCSPA, ano 2009, que previu, como condição essencial para inscrição de interessados e critério de cálculo da ordem classificatória, a participação no Enem, exigindo nota média mínima.
Sentença e acórdão negaram legitimação para agir à Defensoria.
2. O direito à educação, responsabilidade do Estado e da família (art. 205 da Constituição Federal), é garantia de natureza universal e de resultado, orientada ao ‘pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade’ (art. 13, do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, adotado pela XXI Sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, em 19 de dezembro de 1966, aprovado pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo 226, de 12 de dezembro de 1991, e promulgado pelo Decreto 591, de 7 de julho de 1992), daí não poder sofrer limitação no plano do exercício, nem da implementação administrativa ou judicial. Ao juiz, mais do que a ninguém, compete zelar pela plena eficácia do direito à educação, sendo incompatível com essa sua essencial, nobre, indeclinável missão interpretar de maneira restritiva as normas que o asseguram nacional e internacionalmente.
3. É sólida a jurisprudência do STJ que admite possam os legitimados para a propositura de Ação Civil Pública proteger interesse individual homogêneo, mormente porque a educação, mote da presente discussão, é da máxima relevância no Estado Social, daí ser integral e incondicionalmente aplicável, nesse campo, o meio processual da Ação Civil Pública, que representa ‘contraposição à técnica tradicional de solução atomizada’ de conflitos (REsp 1.225.010/PE, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 15.3.2011).
4. A Defensoria Pública, instituição altruísta por natureza, é essencial à função jurisdicional do Estado, nos termos do art. 134, caput, da Constituição Federal. A rigor, mormente em países de grande desigualdade social, em que a largas parcelas da população - aos pobres sobretudo - nega-se acesso efetivo ao Judiciário, como ocorre infelizmente no Brasil, seria impróprio falar em verdadeiro Estado de Direito sem a existência de uma Defensoria Pública nacionalmente organizada, conhecida de todos e por todos respeitada, capaz de atender aos necessitados da maneira mais profissional e eficaz possível.
5. O direito à educação legitima a propositura da Ação Civil Pública, inclusive pela Defensoria Pública, cuja intervenção, na esfera dos interesses e direitos individuais homogêneos, não se limita às relações de consumo ou à salvaguarda da criança e do idoso. Ao certo, cabe à Defensoria Pública a tutela de qualquer interesse individual homogêneo, coletivo stricto sensu ou difuso, pois sua legitimidade ad causam, no essencial, não se guia pelas características ou perfil do objeto de tutela (= critério objetivo), mas pela natureza ou status dos sujeitos protegidos, concreta ou abstratamente defendidos, os necessitados (= critério subjetivo).
6. ‘É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa de interesses transindividuais de hipossuficientes é reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro: assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como núcleo central dos direitos fundamentais’ (REsp 1.106.515/MG, Rel.
Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 2.2.2011).
7. Recurso Especial provido para reconhecer a legitimidade ativa da Defensoria Pública para a propositura da Ação Civil Pública. (REsp 1264116/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/10/2011, DJe 13/04/2012)”.
É corolário do Estado Democrático de Direito que seu povo esteja investido de uma Instituição que promova a defesa de seus direitos e interesses coletivos, dando azo a um autêntico concurso de ações entre os instrumentos de tutela desses interesses transindividuais das massas populares. Sendo a ação civil pública, por excelência, a mais expressiva ferramenta de preservação do acesso coletivo à Justiça.
Valendo-me novamente das lições do Eminente Ministro HERMAN BENJAMIN, transcrevo excerto de julgado aonde este Notável Jurista descortina a atuação da Defensoria Pública frente à responsabilidade civil do Estado quanto à precariedade das condições de sistema carcerário estadual:
“A Defensoria Pública, como órgão essencial à Justiça, dispõe de mecanismos mais eficientes e efetivos para contribuir, no atacado, com a melhoria do sistema prisional, valendo citar, entre tantos outros: a) defesa coletiva de direitos (art. 5º, II, da Lei 7.347/1985), por intermédio do ajuizamento de Ação Civil Pública, para resolver, de forma global e definitiva, o grave problema da superlotação das prisões, pondo um basta nas violações à dignidade dos prisioneiros, inclusive com a interdição de estabelecimentos carcerários; b) ações conjuntas com o Conselho Nacional de Justiça; c) acompanhamento da progressão de regime (art. 112 da Lei 7.210/1984); e, d) controle da malversação de investimentos no setor carcerário (REsp 962.934/MS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13/04/2010, DJe 04/05/2011)”.
Uma sociedade contemporânea deve ser o mais democrática possível. Igualmente, maior e mais livre deve ser o grau de acesso a Fóruns e Tribunais, individual ou coletivamente. Na Ação Civil Pública, em caso de dúvida sobre a legitimação para agir, sobretudo estando em jogo a dignidade da pessoa humana, devem ser abertas suas cancelas em busca da solução judicial do litígio.
Enfim, a ascensão e fortalecimento da Defensoria Pública, através da realização de diversos concursos públicos de provas e títulos para seleção e ingresso nas suas carreiras como órgãos de execução, o redimensionamento e majoração de suas dotações orçamentárias e, assim, a consolidação legislativa de sua legitimidade para o ajuizamento das ações coletivas traduzem o firme propósito de nosso País com a redução das desigualdades sociais e prevalência dos direitos humanos.
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