Decisão do TJ/RS foi a primeira no Brasil e está estimulando que Defensorias Públicas de outros estados promovam ações semelhantes
A Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Bagé/RS (Apae/Bagé) sofreu intervenção Estadual, por força de decisão da Federação Nacional das Apaes (Brasília), em fevereiro de 2008, decorrente de denúncias sobre irregularidades que estariam sendo cometidas pelos seus administradores. Em consequência, foram nomeados interventores, que procuraram, em outubro do mesmo ano, a Defensoria Pública do Estado em Bagé, para relatar sobre as irregularidades e buscar providências acerca das condutas que teriam sido cometidas por um ex-presidente da entidade local e por outras pessoas ligadas à Apae/Bagé.
Assim, a defensora pública, da Comarca de Bagé, Patrícia Aléssio, instaurou Procedimento para Apuração de Danos Coletivos (Padac). “O objetivo era esclarecer as denúncias, sendo a mais importante delas o recebimento de mais de R$ 400 mil destinados à construção de um Centro de Referência da Criança e do Adolescente, sendo que nem 50% da obra havia sido construída”, relata a defensora. De acordo com Patrícia, as irregularidades são tão significativas que a Apae/Bagé está cadastrada junto ao Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal (Cadin) e Serasa.
“Como não havia ações ajuizadas com o objetivo de proteger os interesses difusos que estavam sendo violados em virtude das condutas dessas pessoas, não restou alternativa à Defensoria Pública que não o ajuizamento da Ação Civil Pública por improbidade administrativa”, afirma Patrícia.
Decisão do TJ/RS é inédita no país
Ocorre que, nove meses após o ajuizamento e o normal trâmite da ação, o Ministério Público do Estado (MP/RS) entendeu em arguir a ilegitimidade da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul no ajuizamento de Ação Civil Pública por improbidade administrativa. Ocorre que, no último dia 19 de maio, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ/RS) publicou Acórdão negando provimento ao MP, confirmando a legitimidade da Defensoria Pública.
“A importância da decisão do TJ/RS está no fato de ter sido a primeira no Brasil que garantiu legitimidade à Defensoria Pública para o manejo de ações civis públicas por improbidade administrativa”, ressalta Patrícia. Algumas Defensorias Públicas, de acordo com ela, já estão estudando ajuizar ações em função deste precedente.
O relator do Acórdão, desembargador Carlos Roberto Lofego Caníbal, lembra que a “conjunção da Constituição Federal com as leis nº 7.347/85 (art. 5º, II, com a redação que lhe deu a Lei nº 11.448/07), Lei Orgânica da Defensoria Pública (artigos 1º, 3º e 4º, com a redação que lhe deu a Lei Complementar nº 132/09) não deixa dúvidas acerca da legitimidade da Defensoria Pública para a propositura de ação civil pública não apenas na defesa dos necessitados, em atenção às suas finalidades institucionais, mas também na tutela de todo e qualquer direito difuso, coletivo ou individual homogêneo, na forma da lei”.
De acordo com o desembargador “é manifesta a legitimidade da Defensoria Pública para as ações coletivas que visem garantir, modo integral e universal, a tutela de direitos difusos, coletivos ou individuais homogêneos, e garantir, acima de tudo, o postulado da dignidade da pessoa humana, que é um dos fundamentos do nosso Estado Democrático de Direito”.
A Ação Civil Pública, conforme Caníbal, é o instrumento adequado para, também, a repressão dos atos de improbidade administrativa, que veio disciplinada na Lei nº 8.429/92. “É bem verdade que em seu art. 17 traz o órgão do Ministério Público como o titular da ação por ato de improbidade administrativa, contudo, tal norma deve ser interpretada em conformidade com o ordenamento jurídico vigente e, sobretudo com a Constituição Federal, que prevê apenas a ação penal pública como de titularidade privativa do órgão do Ministério Público. Logo, a legitimidade do Ministério Público não exclui a de outros, inclusive a Defensoria Pública”, afirma.
Para finalizar, o relator lembra para o fato de que o Ministério Público, no recurso, sequer pede, alternativamente, para assumir a titularidade da Ação Civil Pública, “muito embora refira a sua legitimidade exclusiva para tanto, além da pessoa jurídica interessada”. O MP, segundo ele, “não agiu, quando deveria tê-lo feito, e tenta calar quem efetivamente o fez”. O Ministério Público recorreu da decisão ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal Federal.
A defensora pública Patrícia Aléssio credita o resultado positivo da ação ao trabalho em equipe: “Desde que instaurei o Procedimento para Apuração de Danos Coletivos, em Bagé, tive a colaboração direta das colegas da Comarca, Luciane Trindade, e Daniela Bortolan”. A defensora cita, ainda, o apoio do colega Elizandro Todeschini, e do Núcleo de Defesa do Consumidor e de Tutelas Coletivas (Nudecontu) da DPE/RS, na época sob a coordenação da defensora pública Rafaela Consalter, e do atual coordenador, Felipe Kirchner.