Cantando na Chuva (O pastor sem ovelhas)
Estado: DF
Prezados(as) Colegas,
A PEC 144/07 foi proposta pelo governo em 29/08/2007 para substituir a PEC 487/05, de autoria do então Deputado Federal Roberto Freire. O texto da proposta de Emenda à Constituição é, portanto, de autoria do Governo Federal. Ao contrário, a PEC 487 foi forjada dentro do Legislativo, depois de um estudo/pesquisa de tudo que tramitava na Câmara e no Senado sobre Defensoria Pública.
O então assessor da Liderança do PPS e hoje Defensor Público da União, Fernando Mauro, foi o autor do estudo/pesquisa que logo chamou a atenção do então líder que decidiu iniciar um processo de reforma da Constituição.
Quando recebemos, na ANADEP, para consulta o texto, foi por todos nós imediatamente comemorado. Fizemos algumas contribuições, divulgamos a notícia e fomos à luta para conseguir as 171 assinaturas de Deputados Federais (1/3 da Casa) necessárias para iniciar o processo legislativo de uma Emenda à Constituição. Finalmente, em 06/12/2005, já no final do ano legislativo, foi apresentada formalmente, iniciando a sua tramitação. Entramos em catarse. Euforia total! Teríamos a possibilidade de resgatar a omissão do constituinte originário que tratou de forma tímida a Defensoria Pública em 1988.
Naquele momento tudo parecia possível. Vínhamos de duas mudanças recentes na Constituição, as primeiras depois de 1988, quando conseguirmos aprovar a Emenda 41/2003 e a Emenda 45/2004. Assim, ainda logo no inicio de 2006, cerca de dois meses depois de iniciada a sua tramitação (22/02/2006), aprovamos a PEC 487 na CCJ da Câmara com a relatoria da Deputada Denise Frossard (PPS/RJ). Euforia crescente. Mais cinco meses, em 12/07/2006, aprovamos na Comissão Especial (Relator Nelson Pelegrino – PT/BA com a presidência e vice dos Deputados Wilson Santiago - PMDB/PB e Mauro Benevides - PMDB/CE) e a PEC já estava pronta para ser aprovada pelo Plenário da Câmara. Já não nos contínhamos.
Com a chegada de 2007, nossa bancada na Câmara subiu de um para dois Defensores Públicos/Deputados. Juntou-se o colega Valtenir Pereira do PSB/MT ao colega Wilson Santiago – PMDB/PB. Nessa ocasião o Ministério da Justiça havia colocado a PEC 487 como prioridade do “governo”. Também nessa época assumia a Presidência da Câmara do Deputado Arlindo Chinaglia – PT/SP para um mandato de dois anos. Ao fazermos a campanha na Câmara do nosso colega José Augusto Garcia para ocupar uma das vagas da sociedade civil no CNJ, sentimos todas as condições favoráveis para aumentar a pressão e pautar a PEC 487. Em conseqüência, em 14/06/2007, quase, mas por muito pouco, não aprovamos em primeiro turno. A mobilização foi exemplar. Tínhamos quase 80 colegas na Câmara. Todos os Deputados estavam mobilizados pela que ficou conhecida PEC da Defensoria.
No entanto, a partir dessa data tudo mudou. O governo percebeu que a nossa movimentação estava criando condições reais de alteração da Constituição e reagiu. Chamaram-nos para conversar e por diversas vezes pudemos relatar o que se passava em editoriais anteriores. Como já dissemos, em 29/08/2007, foi apresentada a PEC 144 para substituir a PEC 487, criticada abertamente por pretender fazer da Defensoria Pública um segundo Ministério Público, o que era totalmente inaceitável. A euforia incontida nos levou a um grande choque de realidade.
Basicamente pretendeu-se com a nova PEC retirar a iniciativa de lei e a autonomia da Defensoria Pública da União. Continuamos a pressão pela aprovação da primeira PEC até que no dia 18/10/2007 ao tentarmos fazer uma emenda aglutinativa compondo alguns dispositivos das duas propostas fomos definitivamente convencidos pelo Plenário da Câmara que não havia mais nenhuma condição política de se aprovar a PEC 487.
Daí em diante, iniciamos uma complexa negociação para se aprovar somente a PEC 144 – encaminhada pelo governo – com uma forma mitigada de iniciativa de lei, que autorizava aos Estados optar pela concessão da iniciativa à Defensoria Pública. Foi uma saída que nos permitiu dobrar a resistência do Governo Federal e conseguirmos um promissor acordo ainda em Dezembro de 2007.
Desde então, portanto, estávamos aguardando uma oportunidade de votar a PEC 144, com a iniciativa mitigada. Começava o ano de 2008 com boas perspectivas, afinal, o acordo era com o governo. Mas havia um pesadelo: o ano era eleitoral e o calendário era mais apertado. Tínhamos basicamente o primeiro semestre. No entanto, nos deparamos com uma realidade mais nua e crua. Uma enorme crise institucional de condução da Presidência da Câmara agravada pelo excessivo número de medidas provisórias que trancavam a pauta e impedia o regular processamento das propostas em discussão. Assim passamos a contar as janelas que se abriam, quando abriam, para podermos sonhar com a PEC. Nada acontecia. O tempo passava e nunca tínhamos uma janela para a nossa PEC. O acordo permanecia, mas não se efetivava. A rigor, a Câmara só votava medidas provisórias. Eram várias por semana.
Finalmente, chegou o período eleitoral e tivemos que nos conformar. Esperamos! Haveria em novembro uma grande janela sem medidas provisórias que permitiria votar. A Câmara estava muito mobilizada. Voltamos do nosso VII Congresso realizado em Cuiabá com a certeza de que agora conseguiríamos. Todos os parlamentares que se empenhavam na nossa causa viviam bradando que estávamos próximo da votação. Afinal, era um acordo. Fomos conversar com todos os líderes, durante todo o mês de novembro. Éramos sempre lembrados como uma matéria que já havia consenso e, a cada semana, ficávamos esperando o Presidente colocar em votação.
Entramos em dezembro e nada. Continuamos apertando com as lideranças até que na semana passada, no dia 10/12, o Presidente Chinaglia sentenciou que haveria a votação se tivéssemos um acordo com os Democratas. Procuramos o líder ACM Neto que assegurou o seu apoio desde que a matéria fosse discutida com o Deputado Aleluia. Conseguimos o impensável. O Deputado cortezmente concordou com a PEC desde que retirássemos do texto o foro privilegiado e o crime de responsabilidade do Presidente da República. Em política, sempre sabemos como entramos em uma negociação, mas nunca sabemos como saímos dela. Para aproveitar o bom momento concordamos. Nos foi comunicado que iríamos votar naquele dia.
Mas no caminho havia uma pedra. Era uma PEC que tratava da nova regulamentação das medidas provisórias. De novo a maldição das Mp´s. Era um consenso na Casa de que não poderia ficar como estava. Em um ano de 48 semanas, não tivemos oito semanas que não estivesse a pauta trancada. Mas essa pedra se revelou grande demais para conseguirmos tirá-la rápido do nosso caminho. Ninguém mais se entendia na Câmara. A briga era generalizada. Foram muitas semanas de completa insurreição. Ninguém mais afiançava qualquer acordo feito com o Presidente da Câmara, que perdia força à medida que se iniciava o debate de sua sucessão. Essa PEC das Mp´s não evoluía.
Até o ultimo minuto da prorrogação do segundo tempo ficamos aguardando a votação da nossa PEC com todas as concessões que nos foram exigidas. Acendemos velas para todos os lados e... nada! Incrível, mas mesmo sendo aprovada, depois de semanas, a tal PEC que muda o rito das medidas provisórias, caímos, com apoio do governo, destaque-se, na vala comum das pretensões das carreiras, que se organizavam naquele momento para conseguir melhorias salariais na Câmara. Havia a PEC dos Delegados da Polícia Civil e a Magistratura e o MP querendo aumento do subsídio.
Desse modo, salomonicamente para não dar apenas a um (no caso nós, uma vez que a 144 não tem aspectos financeiros, ou seja, nenhum problema com a crise mundial) não se concedeu para ninguém. Restou-nos, assim, numa noite fria de Brasília apenas ficar cantando na chuva ao ver mais um ano ser encerrado de forma melancólica. Lamento! Lamento por todos os colegas que militaram muito, de forma incansável, semana após semana, vindos de vários Estados com recursos, que sabemos sempre muito limitados. Lamento por ter que conviver com uma classe política que parece não ter mais condição de dialogar entre si, cujas palavras são apenas meras palavras perdidas nas incertezas, desconfianças e chicanas. Lamento constatar como é prejudicial para nossa frágil relação político-social um líder fraco e desprestigiado, que parece não conhecer os caminhos e as necessidades de um rebanho, como um verdadeiro pastor sem ovelhas. Lamento ver o indescritível trabalho de vários Deputados, que arduamente se entregaram à nossa causa, se perdendo diante de toda essa incúria. Lamento ter que escrever tudo isso e não poder desejar apenas Feliz Ano Novo.
Estaríamos mais para um infeliz ano velho se não fosse os avanços que tivemos com o PLP 28, que repito é mais consistente e útil que a PEC. Terminamos o ano aprovando em duas Comissões e preparando para ser aprovada na terceira e última (o Relatório com muitas alterações já está na internet). O PLP 28 foi pautado e só não foi votado ontem, 19/12/2008, porque a CCJ não tinha mais quórum). Mas as perspectivas para o próximo ano se revelam otimistas. Só não sabemos o que faremos com uma PEC e um projeto dessa magnitude juntos no Plenário da Câmara. Vamos torcer para o que o Senado, que mostra liderança e independência, vote logo a mudança no rito das medidas provisórias e possamos ter um ano mais útil. Na mesma noite em que cantávamos na chuva, o Senado mostrava atitude e aprovava uma PEC distritalizando a Defensoria Pública do DF. Parabéns aos colegas que talentosamente se dedicaram a essa vitória.
Por fim, podemos concluir que a PEC 144, que foi proposta pelo governo, é, na verdade, uma PEC órfã. Não tem parentes conhecidos. Cabe a nós refletir a melhor maneira de criá-la. Tem muito valor. Pode estender uma uniformidade nacional à instituição, que até agora não conseguimos obter. Temos que ficar atentos para podermos fazer a assunção de novos desafios sem que as implicâncias políticas possam sempre impedir os nossos caminhos.
Não teremos um ano fácil em 2009. O CNJ, por seu Presidente Gilmar Mendes, está propondo uma Resolução para incentivar o voluntariado. Temos procurado minimizar as conseqüências, mas não podemos ao certo visualizá-las. Sabemos como começam e terminam essas experiências. Mas não podemos desconsiderar. Estamos abrindo a discussão para criarmos uma Força Nacional de Defensoria Pública, com uma equipe de 40 ou 50 colegas de diversos Estados e da DPU, para atuarmos o mais rapidamente em todos os presídios que o Ministério da Justiça aponte como crítico no país, com objetivo de fazer uma investigação detalhada da existência de algum preso com pena já cumprida. Estamos apenas iniciando as conversar sobre esse projeto, mas, para tanto, precisamos nos ajustar com o CONDEGE e com o Ministério da Justiça. Esse já deu sinal verde para elaborarmos um projeto no final de janeiro. Precisaremos de contribuição de todos os colegas.
Estaremos sempre melhorando a nossa instituição. Estamos crescendo e também pagando um preço alto por isso. A cobiça, que externamente já havia algum tempo sido deflagrada, começa agora a nos contaminar internamente, revelando-se de maneira lamentável e perigosa em algumas eleições para Defensor-Geral que ocorreram esse ano. Com certeza, não é para isso que estamos lutando para fortalecer a Defensoria Pública, mas é com isso que teremos que conviver cada dia mais.
A boa notícia é que ainda temos instrumentos democráticos e legítimos para superarmos os maus momentos. Nós podemos e devemos sempre acreditar em dias melhores. Por mais cruel que seja a natureza humana, ela nunca nos impediu de em alguns momentos sermos lúdicos e românticos.
Obrigado, mais uma vez!
Feliz Ano Novo!
Fernando Calmon
Presidente da ANADEP