O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nessa quarta-feira (19/8) o julgamento do Recurso Extraordinário nº 635.659, que discute a constitucionalidade do crime de uso de drogas para consumo próprio. O recurso foi interposto pela Defensoria Pública de SP contra uma condenação criminal pelo porte de 3 gramas de maconha, e teve repercussão geral reconhecida pelo STF. Nesse primeiro dia de julgamento, houve sustentações prós e contras. A apreciação do recurso terá continuidade amanhã com a leitura do voto do relator do processo, Ministro Gilmar Mendes.
Durante a sessão, o defensor público paulista Rafael Muneratti apresentou sustentação oral representando a instituição. Rafael Muneratti é integrante do Núcleo de Segunda Instância e Tribunais Superiores da Defensoria Pública, e está destacado para atuar em Brasília perante as Cortes Superiores. O defensor público-geral de São Paulo, Rafael Vernaschi, o assessor criminal da Defensoria Pública, Bruno Girade Parise, e o defensor público autor do recurso, Leandro de Castro Gomes, também acompanharam a sessão.
“Por ser praticamente inerente à natureza humana, não nos parece o mais sensato buscar a solução ou o gerenciamento de danos do consumo de drogas através do direito penal, por meio de proibição e repressão. Experiências proibitivas trágicas já aconteceram no passado, como o caso da Lei Seca norte-americana e mesmo a atual política de guerra às drogas, que criou mais mazelas e desigualdades do que efetivamente protegeu o mundo de substâncias entorpecentes”, argumentou Rafael Muneratti. Afirmou ainda que a política de guerras às drogas se mostrou fracassada e irracional, como evidencia a tendência mundial de busca por alternativas não repressivas e mais efetivas para o controle no uso de entorpecentes. Os exemplos dos Estados Unidos, de experiências europeias e da maioria dos países sulamericanos vão nesse sentido, e em todos os casos índices de uso de drogas baixaram ou se mantiveram estáveis.
Segundo o defensor público, o usuário deve ser tratado não pela lógica policial, mas sim no âmbito da saúde, da educação e da assistência social. “Não há no tratamento punitivo qualquer efeito bom, seja para sociedade seja para o indivíduo, pelo contrário, parece uma verdadeira fuga da responsabilidade do Estado, que em vez de educar e tratar a saúde, escolhe o caminho mais fácil da punição. O tratamento punitivo manda direto para polícia e para o judiciário, tomando tempo, trabalho e gerando gastos”, afirmou. “O dependente precisa de auxílio, não do estigma de criminoso e de todas as consequências de sanções penais”.
Além disso, colocou que a proibição do porte de drogas para consumo pessoal viola a esfera da privacidade e as liberdades individuais, enquanto a atuação do Estado deveria se restringir a aspectos regulatórios, como já acontece com drogas lícitas como álcool e a nicotina.
Na sustentação oral da Defensoria Pública, Rafael Muneratti também argumentou que é preciso estabelecer critérios objetivos que definam claramente a diferença entre usuários e traficantes. “Essa questão não pode ficar no campo amplo da discricionariedade, que sempre gera injustiça. O cidadão precisa ter segurança jurídica de que não será preso se for apenas usuário de entorpecentes”, pontuou. O defensor público colocou ainda que, caso a Corte não considere possível estabelecer tais critérios, uma alternativa seria delegar essa tarefa a instâncias técnicas, como a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, do Ministério da Justiça, ou ao Ministério da Saúde.
Diversas entidades que apoiam a descriminalização do porte de drogas e admitidas como amici curiae se manifestaram em favor do pleito da Defensoria Pública, como o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a Conectas Direitos Humanos, o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC), a Pastoral Carcerária, o Instituto Sou da Paz, o Viva Rio, entre outras.