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28/11/2014

Bahia: "A gente não defende o crime", diz defensora pública

Fonte: Correio 24 horas
Estado: BA
O vestido básico acima do joelho ressalta ainda mais os cabelos e brincos dourados. Sobre o armário, um pote de jujubas acalma na hora do estresse. O grampeador e clipes vermelhos alegram a sala de paredes brancas e móveis em tom pastel.
Na gaveta da impressora, papeis de ofício cor de rosa dividem espaço com os brancos. As portas estão sempre abertas, mas se quiser sair dali, Fabíola Pacheco – cuja idade não revela nem para o próprio médico – precisa passar pelas grades da Penitenciária Lemos Brito (PLB). Defensora pública, trabalha encarcerada há sete anos justamente pela liberdade dos que estão atrás das grades.
 
Baiana de Chorrochó (a 449 km de Salvador), o sotaque dá ritmo à fala. Em tom de voz alto e agudo, explica a relação da defensoria com os internos. “Defensoria Pública é um direito do preso e não um favor. A gente não defende o crime, mas o direito de a pessoa cumprir a pena dignamente”, resume.
 
O “feliz encontro” da vida de Fabíola aconteceu em 2007, ao ser aprovada no concurso da Defensoria Pública e designada para a área de execuções penais. Ao longo destes anos, a defensora trabalhou no Presídio de Teixeira de Freitas e na Colônia Lafayete Coutinho, em Salvador, antes de chegar à PLB, que hoje reúne cinco módulos e 1,3 mil internos condenados a regime fechado .
“Desde sempre direcionei minha atuação para execução penal. Quando estudante de Direito, meu primeiro estágio foi no Patronato de Presos e Egressos, onde me tornei presidente”, se orgulha.
 
A sala da Defensoria Pública tem cerca de 30m² e fica ao lado do setor administrativo da penitenciária. Para chegar ao local de trabalho, Fabíola passa pela portaria do Complexo Penitenciário da Mata Escura e por uma estrada de terra batida, à esquerda após entrada no local. No caminho, é possível se deparar com um preso capinando o mato da estrada e com outros produzindo estopa.
 
Fabíola diz que lidar com a realidade prisional diariamente contribuiu para seu amadurecimento. Isso porque as dificuldades do “sistema perverso que não reeduca” e o sofrimento das famílias – pessoas materialmente pobres e “que cumprem a pena com o preso” – mudaram seu senso de realidade. Por outro lado, a defensora garante que o fato de estar próxima a presos que cometeram crimes, hediondos ou não hediondos, não a assusta.
 
A naturalidade pôde ser percebida no interrogatório de um processo administrativo aberto para apurar a quem pertenciam os aparelhos telefônicos encontrados em um dos módulos da PLB, durante uma revista em julho de 2014. Fabíola estava sentada na ponta da mesa onde estava o agente responsável pelo registro e pareceu bastante à vontade, ouvindo o depoimento e mexendo no celular. Sempre que um interno chegava à sala, a defensora ou era apresentada ou se apresentava.
 
Havia um preso chamado para prestar esclarecimentos que não parava de reclamar da “acusação” que recebia. Fabíola deixou o celular de lado e respondeu firmemente que não havia motivo para preocupação, já que ele não estava sendo acusado de qualquer coisa. Se tentassem acusá-lo, ela estava ali para defendê-lo. “Esse momento é para você se defender e falar apenas o que sabe. Se o celular não é seu, você diz que não é e acabou. Se não tem prova que ligue você ao aparelho, não tem por que te acusarem”, chegou a dizer.
 
Ainda assim, o interno repetiu ser “uma injustiça” e foi preciso que Fabíola repetisse a afirmativa, para fazê-lo entender o motivo de ela estar ali. O preso aparentemente compreendeu.“Depois do sistema prisional eu entendi que todos os problemas que a gente tem, de qualquer nível, são extremamente pequenos perto dos problemas que vejo aqui”, observou.
 
Antes de concluir alguma defesa, argumentos e raciocínios são compartilhados com a equipe da Defensoria. O estagiário Renan Chagas participa diretamente das discussões e percebe que a experiência compensa a aula de Execução Penal que a faculdade não oferece. Segundo ele, trabalhar com Fabíola é “uma honra”.
 
O estudante lembra que utilizou o parágrafo único do Artigo 8º do Decreto de Indulto de 2013 para embasar a análise de um processo e só soube depois que o item havia sido sugestão de Fabíola Pacheco na audiência de formulação do decreto. Anualmente a presidência da República assina o Decreto de Indulto, que reúne critérios para garantir o perdão da pena ao preso.
 
A relação que tem com duas servidoras é de cumplicidade e parceria. Na fila do refeitório, as três parecem amigas de escola confabulando segredos. Além de assuntos profissionais, as conversas têm como pauta casos de família, memes de internet, notícias do dia e até dicas de beleza.
 
Numa tarde antes do atendimento aos presos, Fabíola reclamou do quão fraco era o batom que passou. A servidora Vera logo apresentou uma solução: “Capricha no olho, doutora!”.
 
A defensora come junto com os outros funcionários. Frango com batatas e salada, acompanhados de suco de tamarindo e melancia de sobremesa. Nada parecido com a comida italiana acompanhada de vinho, segundo ela, uma de suas paixões. O gosto pela Itália vai além da gastronomia. Florença e Veneza são cidades para as quais costuma voltar, já que o clima de romantismo a fez se reconhecer nestes lugares.
 
“A Fabíola que sempre foi esperançosa, que sempre acreditou nas pessoas, que sempre acreditou no amor, não morreu. Continuo gostando de coisas boas, de namorar, de me apaixonar”, admite, apesar da realidade com a qual lida diariamente.
As viagens que faz são como hobby e costumam acontecer pelo menos duas vezes no ano, durante suas férias. A Europa não é o único roteiro de Fabíola, embora ela goste de lá. Aqui no Brasil, a defensora lembra que falta conhecer o Acre e o Amazonas.
 
O trabalho a faz viajar o país. Isso porque Fabíola Pacheco representa a Bahia na Comissão de Execução Penal do Condege (Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais), que formaliza projetos e elabora propostas de atuação na área.
 
Além disso, entre agosto e setembro de cada ano, a defensora participa da audiência pública para formulação do decreto de indulto. No último dia 7 de novembro, Fabíola ainda foi eleita diretora social da Associação dos Defensores Públicos da Bahia, para uma gestão de dois anos. Essas movimentações feitas pela defensora refletem seu desejo de modificar uma realidade e fazer um trabalho diferenciado. O atendimento aos presos em suas próprias celas são considerados por Fabíola exemplo disso.
 
Nenhuma dessas ações, no entanto, fazem seu olho brilhar como o faz a cartilha Reconstruindo o caminho para a cidadania. A publicação feita e distribuída para os presos destrincha os direitos e deveres dos internos, de acordo com a Lei de Execuções Penais (Lei 7.210/84). A publicação foi lançada em 2008 e republicada em 2011, com a colaboração do defensor público Antonio Palmeira.
 
O dia a dia de Fabíola é a maior prova de que ela nasceu para defender. “Não trocaria por nenhum outro trabalho no mundo. Digo que papai do céu foi muito bom comigo, porque me sinto feliz com o que eu faço e ainda ganho para isso”.
Opostos no júri
Defensora pública, Fabíola Pacheco enfrentaria o pai no tribunal do júri caso estivessem numa audiência. Isso porque o aposentado Antônio Pacheco, 78 anos, é promotor há 30. Se ela nasceu para defender. Ele, para acusar.
 
“Estamos em lados opostos. Eu sempre disse isso a ela. Aí um dia ela me respondeu: ‘Painho, estou trabalhando na defensoria para pagar os pecados que o senhor cometeu como promotor’”, lembrou o aposentado, rindo muito com a história.
 
Antônio Pacheco não se opõe às escolha de Fabíola e o fato de ela defender quem, em tese, ele acusaria não interferiu na relação familiar. “Falo com meus pais o dia inteiro. Meu pai hoje já me ligou umas três vezes”, aponta para o celular, do qual não desgruda por um instante sequer.
 
A vocação que Fabíola diz ter para a profissão é reconhecida pelo próprio pai. “Como profissional, tenho certeza que sempre atuou com serenidade e seriedade. Ela tem verdadeiro amor pela profissão”, observa o promotor. 
 
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