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29/10/2020

CE: Violências contra crianças aumentam e defensores apontam racismo e machismo como causas preocupantes

Fonte: ASCOM/DPE-CE
Estado: CE
Quando você alcançar a última palavra deste texto, oito minutos terão se passado. E um estupro terá acontecido no Brasil. É essa a média de ocorrência para esse tipo de crime num país no qual 66.123 casos foram registrados só no ano passado, conforme aponta o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública. Um número preocupante, ainda mais quando observado que 57,9% das vítimas tinham no máximo 13 anos e 85,7% eram do sexo feminino.
 
Em relação a outras violências, o perfil mais recorrente é o de meninos (91%) negros (75%). “São estatísticas bem significantes e que envolvem questões muito delicadas, porque crimes sexuais, por exemplo, acontecem geralmente dentro de casa e o agressor normalmente é alguém da família ou muito próximo da vítima. Há uma relação de confiança e muitas vezes não há testemunha. Então, a família não dá credibilidade à palavra da vítima. Isso faz com que a violência seja cada vez mais repetida”, pontua a supervisora do Núcleo de Atendimento da Infância e da Juventude (Nadij), defensora pública Julliana Andrade.
 
Ela frisa que a violência sexual não é “apenas” física. É psicológica também. E pode deixar sequelas irreversíveis até. Por isso, seria fundamental a temática ser trabalhada nas escolas e em cada vez mais campanhas educativas. “Nós estamos falando de uma violência que advém de uma relação de confiança. Isso deixa danos, principalmente numa pessoa que está formando a sua individualidade. A criança precisa ser entendida como pessoa em desenvolvimento e amparada. Quando não amparada, ela pode reproduzir esse ciclo de violência e causar danos a outras pessoas. É preciso falar desse assunto sem constrangimentos. Orientar e dizer que, se acontecer, a vítima está amparada pela lei e por uma rede de proteção e de profissionais.”
 
A atuação dos conselhos tutelares é fundamental para o combate a esse tipo de crime. Muitas vezes, os conselheiros são os agentes públicos mais próximos da comunidade e têm acesso até a territórios nos quais o poder público não chega. “As pessoas precisam saber como denunciar e onde denunciar. E precisamos mostrar sempre para criança que ela não é culpada. Não foi ela que provocou aquilo. Existe um agressor e ele deve ser responsabilizado. Mas o que acontece muito é de a criança não denunciar também por medo de perder a família. O apoio psicológico é fundamental, porque há uma tendência de a vítima ser apontada como culpada. Se fazem isso com adultos, imagine com uma criança que ainda está descobrindo sua subjetividade”, pontua a defensora pública.
 
Das violências cometidas – Noutro cenário de violência, há crianças e adolescentes em situação de extrema vulnerabilização e que entram em conflito com a lei. Um mundo também acompanhado de perto pela Defensoria Pública do Estado (DPCE) e no qual relatos de truculência policial têm sido cada vez mais recorrentes. “São dados alarmantes e, neste ano, já notamos que houve um incremento tanto no número de apreensões de jovens, bem como nos relatos de violência policial”, afirma a supervisora do Núcleo de Atendimentos a Jovens e Adolescentes em Conflito com a Lei (Nuaja) da DPCE, defensora pública Mayara Mendes.
 
Em 2019, o período referência para o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, a média era de até cinco adolescentes por dia em audiências. A defensora estima que agora sejam de até nove por dia. “O que assusta é a esmagadora maioria dizer que não está estudando. Nós temos, então, um incremento da evasão escolar pelos relatos, que deve ter ligação com a pandemia também. Outro fator comum é o relato de e da violência policial e esses mesmos policiais acusados de agressão serem os que levam os jovens que denunciaram pra fazer exame de corpo de delito. Ou seja: a presença deles praticamente torna o exame inviável”, pontua Mayara Mendes.
 
Nesta terça-feira (27/10), inclusive, representantes de diversos órgãos do sistema de segurança e do sistema de justiça reuniram-se para debater o problema. “Observamos algumas falhas, encaminhamos algumas demandas e essas observações estão em fase de maturação. Vamos ver o que é possível para deixar a investigação mais célere”, pontua a defensora pública. A medida é necessária porque muitas dessas violências e mortes sequer são elucidadas.
 
Rede de amparo às vítimas – De acordo com o Anuário, 10,3% de todos os assassinatos cometidos ano passado tiveram crianças ou adolescentes como vítimas. Famílias inteiras dilaceradas pela violência. Rotina de dor experienciada pela Rede Acolhe, projeto da Defensoria que presta auxílio a vítimas e famílias de vítimas de violência no Ceará desde julho de 2017.
 
Sociólogo que compõe o projeto, Thiago de Holanda alerta para dois componentes importantes: o racial (já que boa parte das vítimas das mortes violentas é negra) e o de gênero (já que os estupros em geral são cometidos contra meninas/mulheres). “Homicídio no Brasil é algo com marcadores que revelam estruturas ainda profundas da sociedade relativo ao racismo e ao machismo. É um legado do período colonial e escravocrata. E isso se intensifica conforme a gente se aprofunda nas questões socioespaciais da cidade, porque esses crimes ocorrem em áreas mais pobres, justamente onde a população negra está mais presente e onde há muitas mulheres chefes de família”, diz o pesquisador.
 
A Rede Acolhe trabalha na assistência integral aos familiares de vítimas de homicídio doloso, latrocínio e lesão corporal seguida de morte e as vítimas de tentativa de homicídio. “A Defensoria, ao amparar essas pessoas, dá uma mínima retaguarda para que elas consigam garantir seus direitos e para que elas não sejam revitimizadas pelos sistemas de segurança e justiça quando muitos desses casos não avançar nas investigações e não se encontrarem respostas. Nós temos uma taxa altíssima de mortes a elucidar”, ressalta Thiago de Holanda.
 
O sociólogo cita o aumento de quase 40% no número de famílias atendidas pela Rede Acolhe no último ano. São mais de 300 este ano. “O período de isolamento também influencia, porque tem mais crianças fora da escola, que é um lugar de proteção, e nas comunidades. Se tem um tiroteio ou alguma intervenção policial ou disputa entre grupos e essa criança está na rua, ela pode ser morta. Já sentimos aumento morte de crianças até seis anos, de mulheres e de idosos. Quando essas pessoas estão mais nos territórios, ficam mais expostas. Temos recebido mais casos de morte por intervenção policial. O caso do Mizael é um deles”, argumenta o pesquisador.
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