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04/01/2019

CE: Pelo direito de ser quem é e exercer sua cidadania

Fonte: ASCOM/DPE-CE
Estado: CE
“O que é ser trans?
 
Ser trans é ser Dandara
morta a pauladas
sozinha e desamparada
 
Ser trans é ser Erica
espancada e jogada em um viaduto em Fortaleza
numa pancada tão forte que saiu sua massa cefálica
 
Ser trans é ser Ketelyn
morta a facadas em Juazeiro do Norte
ficou sangrando até a morte
gritando por ajuda e tão pouco foi escutada
 
Ser trans é ser a José
feliz e alegre ainda viva
lutando por justiça e mais liberdade
esperando dar frutos depois da sua morte
 
Ser trans é está com um sorriso no rosto todos os dias
mesmo sabendo a morte bate a porta
e saber que essa morte não é natural
mas vem de um fatal
chamado LGBTfobico
 
Ser trans é ser resistência e resistir no Brasil
o país que mais mata mulheres
transgêneros, transexuais e travestis no mundo
 
Dandara, Erika e Ketelyn, presentes!
(Neta)
 
O poema pertence a Neta. Negra, transexual, bissexual, ela habita em um corpo alvo de violência e julgamentos. O motivo? Transfobia. Aos 26 anos, a estudante já foi vítima – inúmeras vezes – de agressões psicológicas, físicas e verbais. Passou por muita negação para ser o que é: afirmação. Ela clama por voz, espaço e por justiça. Pelo direito de ser quem é.
 
O Artigo 5o da Constituição Federal de 1988 traz em suas primeiras linhas: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. No entanto, as estatísticas mostram que o Brasil não acolhe todos os seus filhos de forma igualitária. São as “ditas minorias sociais”, uma parcela da população que não têm tido seus direitos fundamentais respeitados. Aí surge o importante papel das políticas públicas com um olhar diferenciado aos direitos das minorias que estão segregadas e sem conseguir exercer sua cidadania.
 
Portanto, conceder o direito das minorias NÃO é um privilégio, mas uma necessidade. “A Defensoria Pública, por seu papel constitucional, defende e assegura o direito dos mais vulneráveis, dos socialmente excluídos levando o acesso à justiça que ponha fim as desigualdades e que lhes resguardem seus direitos fundamentais”, aponta a defensora pública geral do Ceará, Mariana Lobo.
 
A defensora geral explica que entre os direitos básicos das minorias, está o de poderem existir, exprimir sua vontade, de igualdade de oportunidades e o de verem-se representadas e acolhidos nas decisões e nos rumos do País. “Toda a pessoa tem o direito de não ser discriminada. Portanto é legitimo proteger pessoas que, por sua origem, à raça, classe ou gênero, estejam ou sejam estigmatizadas, bem como proteger escolhas, opções ou condições sociais, como religião, orientação sexual e outras. Para tanto, é necessário que sejam dadas ferramentas, que são as políticas públicas e as legislações, para que todos consigam dar voz às suas necessidades”.
 
Nem tudo é igual e nem é pra ser diferente – A infância de Neta foi marcada por racismo na escola com apelidos que são lembrados com tristeza até hoje. “Eu era filho de macaco, cabelo de bombril, cabelo duro, asfalto. E não havia nada que eu pudesse fazer para me defender de meus opressores, já que era uma criança e estava sozinha, então eu cresci dessa forma”, afirma a jovem que não deixa o cabelo crescer, mantendo a cabeça raspada para evitar passar pelos constrangimentos. Após esse período, ainda evitando deixar o cabelo grande, Neta viveu um momento de negação, onde acreditava que era branca. “Eu não tinha influência e vivia cercada de orientações de como deveria ser, principalmente em relação ao meu corpo. Eu seguia, então passei a acreditar que era branca de fato”, lamenta.
 
Somente em 2016, que ela começou a se reconhecer. Ingressou na faculdade de pedagogia, onde conheceu o Movimento Levante Popular da Juventude. “Eu vi muitas referências e uma delas foi de uma amiga, Alice. Ela tinha um black power lindo e me incentivou a deixar o meu crescer”, relembra. Aquele seria o início da desconstrução de Neta, de sua autoaceitação e identificação com seu corpo. “Hoje eu sei que sou preta, eu me orgulho disso e, embora muitos venham contra mim, sigo muito forte e orgulhosa de ser quem sou. Eu luto pelo fim da marginalização da minha cor e do meu cabelo”, empodera-se.
 
A luta de Neta é de tantos e tantas. Ao somar-se ao movimento de militâncias negras e LGBT, ao enxergar as minorias, ela conseguiu ver que muitos estão imersos em estatísticas gritantes. De acordo com pesquisa da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), durante o primeiro semestre de 2018, foram 86 pessoas trans assassinadas no País, sendo a maioria do sexo feminino e negras. Das 61.283 mortes violentas ocorridas em 2016 no Brasil, 74% das a maioria das vítimas são negros. De acordo com o Atlas da Violência de 2017, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a população negra corresponde a maioria (78,9%) indivíduos com mais chances de serem vítimas de homicídios no Brasil. A Organização das Nações Unidas (ONU) aponta a morte de um jovem negro a cada 23 minutos no país. Em dez anos, assassinatos de mulheres negras aumentaram 15,4%. De acordo com o Grupo Gay da Bahia, até maio de 2018, 153 pessoas foram mortas no Brasil vítimas de preconceito contra identidade de gênero e sexualidade.
 
O Racismo – Após dar início a sua luta por igualdade e respeito, a estudante foi vítima de racismo e violência algumas vezes, em uma delas, Neta conta que estava com um colega, quando um segurança pediu para ver o que havia dentro de sua bolsa. Depois da revista, Neta o questionou porque não foram revisitados também os pertences de seu amigo, já que estavam juntos. “Naquele momento eu percebi que não adiantava o que eu dissesse, pois olhei para meu amigo e percebi uma diferença entre nós: ele era branco, e aquilo claramente era uma ação racista”, ressalta.
 
O crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, consiste em ofensas que atingem uma coletividade indeterminada de indivíduos, discriminando toda a integralidade de uma raça. Conforme a lei, o indivíduo que comete este crime está sujeito à pena de reclusão que pode chegar a cinco anos, dependendo do caso.
 
Há também outra conduta que pode se enquadrar em crimes dessa natureza: a injúria racial. Ela está prevista no Código Penal e, segundo o dispositivo, consiste em utilizar palavras e expressões referentes à raça ou cor com intuito de ofender a honra da vítima. A pena para quem comete esse crime é de reclusão de um a três anos e multa, com agravante para casos violentos. A supervisora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria, a defensora Sandra Sá, destaca a importância da denúncia nesses casos: “É necessário registrar a denúncia, afim de que os responsáveis pelas violações venham a ser punidos”.
 
Um dos conceitos importantes no combate ao racismo brasileiro é entender como ele é estrutural, está imerso em relações de poder e opressão. Su, pega uma fala da Meire sobre racismo estrutural da sociedade. faltou aprofundamento disso aqui.
 
Sabemos que negras e negros representam 55 por cento dos eleitores no Brasil, mesmo assim, o enfrentamento ao racismo que impacta profundamente a vida dessa população, principalmente das mulheres, jovens e crianças, não teve destaque nas últimas campanhas eleitorais. O racismo é conjuntural, está impregnado em todas as esferas de poder, na forma de fazer política pública e nas instituições públicas e privadas, e historicamente define, também, as relações individuais. São muitos os exemplos do poder que o racismo têm nas relações sociais brasileiras e na constituição do Estado: o percentual de negros e “pardos” no Ensino Superior não passa de 30%; os jovens negros e de periferia constituem cerca de 71% dos homicídios registrados e são também os mais criminalizados e encarcerados; as mulheres negras são as maiores vítimas de violência doméstica e obstétrica. Quando se trata de uma mulher negra trans, a vida sempre será uma somatória de opressões, sobretudo na garantia de direitos. É importante termos isso em mente pra não reduzirmos os impactos do racismo, exclusivamente, à esfera individual. Que resulta em criminalização de indivíduos e isenção de responsabilidade das instituições públicas e privadas as quais estão ligados.
 
O antropólogo brasileiro e professor da USP Kabengele Munanga aborda a falsa democracia racial no Brasil, onde existe um discurso dominante que diz: Somos mestiços e misturados. “Minha tendência é interpretar a democracia racial mais como máscara do que como ideal. Se fosse um ideal, viria acompanhado de ações e políticas públicas concretas para integrar os negros na sociedade, para possibilitar oportunidades reais”. Para ele, “o racismo mata quando discrimina, e mata, pela segunda vez, porque prejudica a conscientização tanto das vítimas quando dos discriminadores em torno das relações raciais. Para os americanos, o racismo não é segredo, eles assumem. Por conta disso até conseguiram promover leis contra a segregação racial e implementar políticas de ação afirmativa. Para os brasileiros, uma das maiores dificuldades é a confissão de que são racistas. Muitos brancos afirmam que não há racismo, mas sim uma questão social. Mas afinal o que é social? Tudo é social”, explica.
 
Destacamos aqui também iniciativas como o site Ceará Criolo (http://cearacriolo.com.br/novo/), um portal produzido por comunicadores negros, um espaço qualificado de afirmação e visibilidade e que foi escolhido recentemente como o melhor produto de comunicação para promoção da igualdade racial do Ceará.
 
“O mundo lembra o tempo todo que nós, negros, somos negros quando as empresas de comunicação e dramaturgia nos retratam apenas como fracassados, ladrões, assassinos. A imagem do negro é diariamente estereotipada no Jornalismo, na Publicidade e nas novelas. Isso ajuda a perpetuar a ideia de que o negro tem um lugar definido na sociedade – e esse lugar está longe de ser bom. O Ceará Criolo existe pra mostrar que nós, negros, somos negros e podemos ocupar espaços de poder. O portal nasceu do desejo de cinco comunicadores de dar à população negra um ponto de encontro. A gente quer que o site aproxime gentes. Que as pessoas se vejam ali como seres possíveis. Porque o negro pode, sim, ter diploma de ensino superior. Pode, sim, ser empreendedor. Pode, sim, ser presidente do Brasil. Negro nenhum deve se contentar com pouco. E é pra mudar essa lógica que o Ceará Criolo foi criado”, destaca Bruno de Castro, jornalista e membro do coletivo Ceará Criolo.
 
Identidade de gênero, sexo e sexualidade – Ao longo dos anos, as discussões a respeito de gênero, sexo e sexualidade têm se intensificado e isso não significa que o abismo social entre as pessoas fora dos padrões tenha diminuído. Para entender sobre como o preconceito ocorre, é preciso saber o que significa cada um destes três itens: gênero, sexo e sexualidade.
 
Gênero é o termo utilizado para designar homens e mulheres. Já a identidade de gênero é como o indivíduo se define diante a sociedade, independente de questões biológicas. Já o sexo diz respeito a biologia, aos elementos do corpo do aparelho reprodutivo. A sexualidade é o que engloba atração sexual, dando origem a termos como: heterossexual, bissexual e homossexual. Neta é uma mulher trans e bissexual. Ou seja, ela se vê diante a sociedade como mulher, independente do sexo e, bissexual, por sentir atração pelo gênero feminino e masculino. Neta deu entrada no processo de retificação de nome de gênero no Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública. “A retificação será o ponto mais importante da minha luta, pois marca quem eu sou”. A fala dela soma-se a de tantos outros e tantas outras trans que deram entrada no pedido na justiça. “Uma conquista na luta que já dura 27 anos. A realização de um sonho, o de se pertencer e de ser protagonista na minha vida”, comemora L. L. S., assistente social.
 
A realização deste sonho tornou-se mais fácil a partir de março de 2018, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) garantiu a possibilidade de que transgêneros alterem o sexo e o nome presentes no registro de nascimento diretamente nos cartórios, sem precisar de autorização judicial. Pela decisão, a alteração nos documentos poderá ser feita sem exigência de modificações corporais, como cirurgias ou terapias hormonais, e sem a necessidade de pareceres e laudos de psicólogos ou médicos. Basta uma autodeclaração diretamente nos cartórios, que devem alterar os dados do documento original.
 
Mesmo com a decisão nacional, a defensora do Núcleo de Direitos Humanos e Ações Coletivas (Ndhac) explica que em alguns casos tem precisado intervir administrativamente para que esse direito seja garantido. Foi o caso estudante Manuela Duarte, 20, e do freelancer Gregório de Souza, 25, que tiveram dificuldades para fazer as alterações diretamente no cartório e procuraram a Defensoria Pública. “Tivemos que ir várias vezes ao cartório e sempre nos era negado o direito à gratuidade, além de que eram informadas sobre outras taxas, dificultando a nossa solicitação. A oficial do Registro Civil dizia que era muito difícil conseguir. E, a nossa sorte, foi que gravamos todo o diálogo para comprovar que ela estava sendo injusta com a gente. Aí procuramos a Defensoria Pública relatando tudo. Só conseguimos mesmo ter a nossa certidão de nascimento alterada por causa do acompanhamento da defensora”, destacam.
 
Durante todo o ao de 2017, a Defensoria Pública do Ceará atendeu 802 casos de problemas com registros e estes incluem as mudanças de nome e gênero. A supervisora do Ndhac explica que “embora alguns cartórios ainda tenham resistência em fazer retificação de forma gratuita, este é um direito assegurado e a Defensoria tem buscado auxiliar todos que nos procuram”. Ainda segundo a defensora, o Provimento n. 73 do CNJ assegura que toda pessoa maior de 18 anos habilitada à prática dos atos da vida civil poderá requerer a averbação do prenome e do gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida. O requerente deve apresentar, obrigatoriamente, documentos pessoais; comprovante de endereço; certidões negativas criminais e certidões cíveis estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos. Deve apresentar ainda certidão de tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos e certidões da justiça eleitoral, da justiça do trabalho e da justiça militar (se o caso).
 
O NDHAC atua em ações ações e atividades relativas à proteção dos Direitos Humanos, envolvendo especialmente a preservação e reparação dos direitos de grupos sociais vulneráveis e de pessoas vítimas de tortura, discriminação ou qualquer outra forma de opressão ou violência.
 
LGBTQ+
 
Entenda melhor o que significa cada letra e o + da sigla:
 
Lésbica: Mulheres que sentem atração romântica ou sexual por outras mulheres.
 
Gay: Homens que sentem atração romântica ou sexual por homens. O termo também pode ser utilizado para mulheres homossexuais.
 
Bisexual: Pessoas que sentem atração (afetiva ou sexual) por ambos os sexos.
 
Transgênero: Pessoas que não se identificam com seu sexo biológico e estão em trânsito entre gêneros.
 
Transsexual: São pessoas que se identificam com um sexo diferente do seu nascimento. Por exemplo: uma pessoa que nasceu homem, mas se identifica como mulher, é uma mulher transgênero.
 
2/Two-Spirit (Dois Espíritos): Utilizado por nativos norte-americanos para representar pessoas que acreditam ter nascido com espíritos masculino e feminino dentro delas.
 
Queer: Pode ser considerado um termo “guarda-chuva”, englobando minorias sexuais e de gênero que não são heterossexuais ou cisgênero.
 
Questionando: Pessoas que ainda não encontraram seu gênero ou orientação sexual — estão no processo de questionamento, ainda incertos sobre sua identidade.
 
Intersex: É uma variação de características sexuais que incluem cromossomos ou orgãos genitais que não permitem que a pessoa seja distintamente identificada como masculino ou feminino.
 
Assexual: É a falta de atração sexual, ou falta de interesse em atividades sexuais — pode ser considerado a “falta” de orientação sexual.
 
Aliado: São pessoas que se consideram parceiras da comunidade LGBTQ+.
 
Pansexual: É a atração sexual ou romântica por qualquer sexo ou identidade de gênero.
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