NOTA PÚBLICA: Comissão Temática da Igualdade Étnico-Racial da ANADEP manifesta-se sobre projeto de lei que altera demarcações de terras indígenas e afeta os direitos dos povos originários
Estado: DF
Na última terça-feira, dia 30 de maio, a Câmara dos Deputados aprovou, em regime de urgência, o projeto de lei 490/2007. O projeto contraria a Constituição Federal que em seu artigo 231 garante aos povos indígenas o reconhecimento de sua organização social e o direito originário às terras indígenas que tradicionalmente ocupam. Estabelecer uma data específica para a validade de um direito que a Constituição reconheceu como originário é uma grave violação das garantias fundamentais dos povos indígenas, pois implica em uma limitação que não foi prevista no texto constitucional, ignorando a diversidade cultural, social e política, e a relação ancestral que as comunidades tradicionais possuem com seus territórios.
No âmbito do sistema internacional de direitos humanos, o PL 490/2007 também não encontra amparo. A Declaração Internacional de Direitos dos Povos Indígenas determina que “Os povos indígenas têm o direito de manter e de fortalecer sua própria relação espiritual com as terras, territórios, águas, mares costeiros e outros recursos que tradicionalmente possuam ou ocupem e utilizem” (artigo 25), definindo que “os Estados assegurarão reconhecimento e proteção jurídicos a essas terras, territórios e recursos. Tal reconhecimento respeitará adequadamente os costumes, as tradições e os regimes de posse da terra dos povos indígenas a que se refiram.” (artigo 26.3).
A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) prevê a necessidade de consulta prévia, livre e informada de qualquer ação estatal que tenha impacto sobre a vida dos povos indígenas. Tal dever internacional que vincula o Estado brasileiro também não foi observado. A tese do marco temporal ao implicar no confinamento de populações inteiras, tentativas expulsão de indígenas de seus territórios e a grilagem de terras, representa também elevada insegurança jurídica e fundiária e o aumento dos conflitos no campo, como alertou o Núcleo de Justiça Racial e Direito da Fundação Getúlio Vargas.
Para além da violação imediata dos direitos indígenas, o PL 490 é prejudicial para toda população brasileira, e, em última instância, de toda comunidade internacional. As terras indígenas são as áreas com menores taxas de desmatamento e também uma exigência de saúde pública, pois, segundo estudo publicado na revista científica Communications Earth & Environment, garantiu entre 2010 e 2019 economia de 2 bilhões de dólares no SUS em gastos com doenças relativas ao fogo. A preservação do direito originário às terras indígenas é também a preservação da floresta em pé, da proteção da biodiversidade, da conservação do solo e dos recursos hídricos e a regulação do clima local, nacional e para todo o mundo.
O processo de genocídio dos povos indígenas ainda se perpetua, como na situação de crise humanitária sofrida pelo povo Yanomami recentemente. É urgente que o Poder Público e sociedade civil se comprometam de maneira radical com a defesa dos direitos dos povos indígenas. O PL 490/2007 segue direção contrária. Reproduz a perspectiva colonizadora sobre a cultura, corpos e territórios indígenas.
Primordial que o Senado Federal assuma uma postura democrática na análise da questão, que ouça a voz das populações indígenas diretamente afetadas pela mudança legislativa, permitindo a ampla participação popular na discussão do tema, a garantia dos direitos dos povos originários depende disso, o que garante também a preservação ao meio ambiente.
JUNHO 2023
DIRETORIA ANADEP E COMISSÃO TEMÁTICA DA IGUALDADE ÉTNICO-RACIAL DA ANADEP