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Nº 030 - 2020
Rivana Barreto Ricarte
Presidenta eleita da ANADEP (2021-2023)
 
Na próxima terça-feira (9), a defensora pública do Acre Rivana Ricarte assumirá o comando da Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (ANADEP) durante solenidade de posse, em Brasília. No ato também serão empossados os novos integrantes dos conselhos diretor, consultivo e fiscal da Entidade para o biênio 2021-2023.
 
Rivana Ricarte foi eleita em dezembro, liderando a chapa única "Integração: diálogo e ação para garantia de prerrogativas e direitos". Natural da Paraíba, Rivana Ricarte é defensora pública há 18 anos e será a terceira mulher a ocupar a cadeira da presidência da ANADEP e a primeira representante da região Norte no cargo. Na ANADEP, ela é a atual vice-presidente institucional e foi diretora de comunicação no biênio 2017-2019. Na sua trajetória profissional, ela também se destaca por ter sido a primeira mulher brasileira a ser indicada para o cargo de Defensora Pública Interamericana, onde atua perante a Corte e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, desde 2016. É mestra em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, doutora em Direito pela Faculdade de Direito da USP e membra da Coletiva de Mulheres Defensoras Públicas do Brasil.
 
Em entrevista à ASCOM ANADEP, a nova presidenta aponta os principais desafios de sua gestão, que focará em oito eixos de trabalho: fortalecimento associativo, defesa institucional, diálogo interinstitucional, comunicação associativa, aperfeiçoamento e capacitação, atuação afirmativa de gênero e raça, pesquisa e desenvolvimento, além da atuação internacional. 
 
Conforme explica Rivana Ricarte, o objetivo da nova gestão é mostrar a essencialidade do serviço público para o país e, em especial, a peculiaridade do trabalho da Defensoria Pública como Instituição garantidora do acesso à justiça da população em situação de vulnerabilidade. Para ela, o trabalho desempenhado por cada defensora e defensor público no órgão de atuação representa a instituição, e o seu bom desempenho repercute na imagem política que a Defensoria Pública tem como um todo junto à sociedade e aos poderes públicos locais e estaduais. Confira na íntegra:
ANADEP - 
Rivana Ricarte você é a terceira mulher eleita para comandar a ANADEP e a primeira representante da região Norte no cargo. Como que os temas sobre diversidade de gênero serão tratados em sua gestão? E quais experiências da sua região/estado que você quer trazer para o cenário nacional?
É com enorme orgulho e satisfação que representarei a ANADEP nesse próximo biênio, ladeada por uma diretoria forte e combativa com representantes de todas as 27 unidades da federação. 
 
Como mulher, paraibana de nascimento, acreana por opção, e nortista de coração, muito me honra ser a primeira defensora pública do Norte do País a assumir a presidência da Associação Nacional. Entendo que isso demonstra o fortalecimento da Defensoria Pública em âmbito nacional e evidencia a necessidade de, enquanto instituição classista que dialoga com pautas corporativas e de direitos humanos, ampliar o nosso olhar. Eu afirmaria que a Defensoria Pública no Norte do País tem crescido e se desenvolvido muito nos últimos anos. É preciso que o Brasil conheça o Brasil e conheça a Defensoria Pública, e que as pautas e práticas de reinvenção da atuação das Defensoriais nortistas, que lidam muito fortemente com uma parcela muito esquecida de vulnerabilizados, também possam servir de modelo e inspiração.
 
Também é a primeira vez, em mais de 36 anos de história da ANADEP, que teremos duas mulheres à frente dos trabalhos da associação. Contaremos com o magnífico trabalho da vice-presidenta institucional, Rita Lima, da Defensoria Pública do Distrito Federal. 
 
 
A presença de mulheres no espaço político de poder e decisão é um diferencial porque traz à tona o debate da afirmação da mulher e de seus direitos humanos, ressaltando a construção de uma política institucional que dê privilégio a participação equitativa de homens e de mulheres.
 
É preciso, também, avançar no fortalecimento da representação da diversidade étinico-racial nesse espaço, desafiando as dificuldades estruturais encontradas na própria Defensoria Pública nesse particular. Com apoio da Comissão de Igualdade Étnico-Racial da ANADEP, vamos trazer a temática de gênero e raça para que possamos avançar institucionalmente. A dificuldade das mulheres e pessoas não brancas em alcançarem cargos de liderança na Defensoria é uma questão em pauta. 
Quais os eixos de gestão da nova diretoria? O que as associadas e associados da ANADEP podem esperar do trabalho a ser desenvolvido pela nova diretoria?

Um mandato é construído coletivamente, através de muitas mãos. Desde a concepção dos eixos de trabalho, dialogamos com muitos colegas sob as perspectivas, e assim compilamos a nossa proposta de atuação com base em oito eixos: fortalecimento associativo, defesa institucional, diálogo interinstitucional, comunicação associativa, aperfeiçoamento e capacitação, atuação afirmativa de gênero e raça, pesquisa e desenvolvimento, além da atuação internacional. A partir de um olhar interseccional em nossas práticas e eventos, queremos fortalecer a carreira e enfrentar os principais desafios que se apresentarão para a Defensoria Pública no próximo biênio (2021/2023), através de um trabalho coeso e de permanente diálogo com as associadas e associados. Retribuiremos toda a confiança com muito trabalho e dedicação. Vamos mostrar à sociedade brasileira, ainda mais, o trabalho da Defensoria Pública. As associadas e associados podem esperar uma diretoria comprometida, em que todos estão bastante envolvidos com os debates das questões associativas. Retribuiremos toda a confiança com muito trabalho e dedicação. Vamos mostrar à sociedade brasileira, ainda mais, o trabalho da Defensoria Pública.

Há uma expectativa que a Reforma Administrativa (PEC 32/2020) comece a tramitar em fevereiro, logo após o início do ano legislativo. Como a nova diretoria pretende trabalhar a matéria no Congresso Nacional?
O funcionalismo público, como um todo está em evidência, e isso afeta a Defensoria Pública. A expectativa é que o ano legislativo comece a todo vapor. Daremos continuidade ao excelente trabalho que já vem sendo feito pelas diretorias da ANADEP que nos antecederam, apresentando emendas, dialogando com parlamentares, em especial com lideranças partidárias, e com demais entidades do funcionalismo público, unindo forças com o que nos assemelha e ressaltando o que nos diferencia. 
 
A Constituição andou bem ao dotar a Defensoria Pública de atributos e prerrogativas que, ao menos em tese, servem para garantir aos defensores públicos a possibilidade de atuação independente e sem que se sintam ameaçados pelos atos que praticarem, mesmo que contrários aos interesses e opiniões do Governo. É papel da Associação defender isso, trazer luz para a narrativa da essencialidade do serviço público e da Defensoria Pública. Da mesma maneira que enfretamos a Reforma da Previdência, agiremos com a Reforma Administrativa. O objetivo é mostrar a essencialidade do serviço público para o País e, em especial, a peculiaridade do trabalho da Defensoria Pública, como Instituição garantidora do acesso à justiça da população em situação de vulnerabilidade. O enfraquecimento da Defensoria Pública resulta, direta ou indiretamente, no enfraquecimento dos direitos da população.
Outras matérias que visam enfraquecer o funcionalismo público também estão no radar da Câmara e do Senado, como as PECs 186, 187 e 188. Como será o trabalho legislativo em relação a essas propostas?
Como pontuei, desafios não faltarão. O contexto atual é, realmente, muito complexo e instável. Há enormes variáveis políticas e econômicas que podem alterar totalmente o cenário, tanto no Executivo, quanto no Legislativo. Vimos isso em 2020. Essa instabilidade política do País no enfrentamento à pandemia já é, por si só, um desafio para a gestão. 
 
Mas, relacionar Defensoria e desafios é quase com algo redundante. Todos sabemos que a Defensoria Pública enfrenta desafios diários. Ouso dizer que nascemos para o desafio. Sabemos que a agenda é de redução de serviços públicos e de benefícios sociais. É evidente que isso atinge as defensoras e defensores públicos e a Defensoria. Mas o trabalho legislativo da ANADEP é realizado em conjunto com o apoio das Associações Estaduais e Distrital. Agora, mais do que nunca, é hora de nos irmanarmos em torno da classe, como assinalamos no mote de nossa chapa, trabalhando a INTEGRAÇÃO: diálogo e ação para garantia de prerrogativas e direitos. Defensoras e defensores unidos, Defensoria Pública forte.
Qual a expectativa da nova diretoria da ANADEP com as ações no Supremo Tribunal Federal? O que vocês esperam da relação com a Corte?

Sabemos que o coração da ANADEP é a atuação jurídico-legislativa e que estas pautas, muitas vezes, caminham em conjunto do ponto de vista de litigância estratégica. No último biênio, as demandas da Associação no Supremo Tribunal Federal aumentaram vertiginosamente, o que demonstra nossa força combativa no zelo pela unidade e autonomia institucionais da Defensoria Pública. Seguiremos sempre atentos para que as prerrogativas constitucionais e os direitos das defensoras e defensores sejam preservados, avançando na pauta do fortalecimento da Defensoria Pública. Para tanto, a articulação conjunta com o Grupo de Atuação Estratégica da Defensoria Pública nos Tribunais Superiores (GAETS) e com o Colégio Nacional dos Defensores Públicos-Gerais (CONDEGE), por meio do constante intercâmbio de informações será mantida. Ademais, buscaremos ampliar a relação com o Supremo Tribunal Federal. 

Com o acirramento da crise provocada pela pandemia da COVID-19 várias Defensorias Públicas apontam que houve um aumento na demanda. Como mostrar aos governos que a Instituição é essencial na atual conjuntura?
De todas as carreiras jurídicas, a Defensoria Pública, por atuar diretamente em prol das pessoas em situações de vulnerabilidades, foi a mais sobrecarregada. Como reflexo da crise da pandemia do COVID-19, o que vimos foi a Instituição se reinventar para alcançar o cidadão. Precisamos mostrar isso. Para isso, manteremos o bom trabalho técnico, trazendo números, práticas exitosas, a atuação da Instituição na prevenção e combate à violência, seja através de soluções consensuais de conflito, orientações jurídicas,  processual, e também em demandas de especial vulnerabilidade como a defesa das mulheres vítimas de violência doméstica, da população em situação de rua, das pessoas com deficiência, das pessoas idosas, entre outras. 
 
Lançaremos o III Relatório Nacional de Atuações Coletivas da Defensoria Pública com foco nas ações realizadas por defensoras e defensores públicos no âmbito da pandemia do COVID-19.
 
É importante ter sempre em mente que cada defensora e defensor público, no órgão de atuação, seja qual for a área – família, cível, consumidor, saúde, criminal, tutela coletiva etc. – representa a Instituição, e o seu bom desempenho repercute na imagem política que a Defensoria Pública tem como um todo junto à sociedade e aos poderes públicos locais e estaduais.
Na sua gestão, a EC 80/14 completará oito anos, em 2022. É o último ano que o Poder Público tem para universalizar o acesso à justiça e lotar todas as comarcas de defensoras e defensores públicos. No entanto, há um longo caminho para atingir a marca. Como a nova diretoria pretende dialogar com o Governo sobre o tema? Há alguma estratégia para o cumprimento da EC 80?
Em 2019, com a implementação da Defensoria Pública do Amapá, alcançamos a presença constitucional da Defensoria Pública em todo País. Mas isso não é tudo. Na verdade, estar em todos os estados é o ponto de partida. Vivemos hoje a fase de regulamentação e implementação dos direitos e garantias, da Instituição e da carreira, como a autonomia orçamentária e a iniciativa de lei. Isso não é igual em todo o Brasil.
 
Os dados do II Mapa da Defensoria Pública, que será lançado neste primeiro semestre, demonstram que houve este crescimento numérico de membros, mas não foi suficiente para estarmos em todas as comarcas. Desde a aprovação da EC 80/2014, o Judiciário e o Ministério Público também cresceram, outras comarcas surgiram e novos desafios de atuação vieram. 
 
O Brasil possui população de cerca de 211,8 milhões de habitantes. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 88% da população brasileira são potenciais usuárias dos serviços da Defensoria. De acordo com o Diagnóstico do Ministério da Justiça de 2015, o ideal é um(a) defensor(a) público(a) para atender cada grupo de 15 mil pessoas, adotando apenas o critério do rendimento.  Atualmente temos cerca de 6200 defensoras e defensores públicos na ativa. Em  uma análise superficial, isso significa que hoje, cada colega, estaria responsável por atender mais de 30 mil potenciais usuários dos serviços da Defensoria. Evidente, assim, que embora tenhamos alcançado mais comarcas, há um deficit.
 
A Associação Nacional trabalhará com estes dados para dialogar com os Poderes Executivo e Legislativo sobre esforços conjuntos de ampliação da Instituição. Precisamos demonstrar que sem Defensoria, não há Democracia. A ANADEP continuará presente e apoiando, tanto politicamente como judicialmente, a luta das associações locais para o crescimento da Instituição.
Na sua opinião, no que se diferencia a Defensoria Pública das demais carreiras do sistema de justiça?
Gosto de relembrar que a Defensoria Pública é a única Instituição calcada em âmbito constitucional como responsável pela atuação efetiva na promoção e defesa dos direitos humanos e na reparação de suas violações. A Defensoria Pública já surge no Brasil com a CF/88 e, portanto, dentro da racionalidade jurídica do Estado pós-social, e, por conseguinte, já concebida para atuar dentro de uma estrutura de numerosas inter-relações jurídicas, e pronta para atuar em diferentes locus de acesso à justiça. 
 
Isso significa que a Instituição é capaz de dinamizar e produzir um acesso eficaz à justiça e a promoção dos direitos sociais na medida em que faz uso de toda a sua potencialidade de atuação – educação em direitos, conscientização, orientação preventiva, conciliação, mediação, multidisciplinar. Isto é, para além do campo processual perante os Tribunais, age para a promoção de direitos, assumindo o papel de conhecedora da realidade concreta e de promotora da capacitação jurídica dos cidadãos.
O que falta para a Defensoria Pública se tornar mais conhecida pela sociedade?
A Defensoria Pública precisa de um canal de comunicação constante e eficiente com a sociedade. Noto que em alguns segmentos pode existir uma espécie de desconhecimento sobre a importância do papel da Instituição no Estado Democrático de Direito. Continuaremos a trabalhar com nossas campanhas nacionais de educação em direitos, buscando parcerias com movimentos sociais, como forma de ampliar a divulgação de nossa atuação. Temos consciência do papel a ser exercido pela Escola Nacional das Defensoras e Defensores Públicos e pela Diretoria de Articulação Social para ampliação do diálogo com a sociedade. Para tanto desenvolveremos novos projetos, como a Revista da ENADEP, ANADEP Cidadania, + Defensoria.
Por fim, que mensagem gostaria de deixar as associadas e associados da ANADEP?

A ANADEP é uma construção coletiva e duradoura que se solidifica com o trabalho de cada um que fez e que faz a história da Associação, no passado e no presente. Dar continuidade ao trabalho tão bem feito de colegas que vieram antes é uma oportunidade imensa. Gostaria de agradecer a confiança depositada pelas associadas, associados e pelas  Associações Estaduais e Distrital na diretoria eleita e reafirmar nosso compromisso com a ampliação do diálogo e com a defesa intransigente dos direitos, garantias e prerrogativas de todas as defensoras e defensores públicos. Os desafios da gestão serão, seguramente, menores do que a nossa disposição de enfrentá-los com muita confiança na capacidade da equipe que montamos para superar os obstáculos que venham cruzar nosso caminho. Queremos que cada defensora e defensor se reconheça no trabalho associativo e por isso convidamos que possam contribuir permanentemente com sugestões e críticas e que venham somar esforços. Acredito firmemente que apenas com a integração de todas e todos poderemos avançar em nossos sonhos institucionais e associativos.

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