Nº 057 - 26 de novembro de 2020
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Ilcemara Sesquim
O Brasil é um paraíso para os amantes da boa cozinha: a culinária brasileira é rica, saborosa e diversificada. Os pratos típicos da região Norte possuem uma grande tradição, que mesmo se unindo a outras, ainda possuem uma forte herança indígena. Em Rondônia, onde a nossa entrevistada desta semana mora, a gastronomia alia o gosto mais temperado do Nordeste, os ingredientes e modos de preparo tradicionais do Norte, e até mesmo algumas pitadas do Sul e Sudeste. O peixe é muito usado nos pratos locais, uma vez que o estado possui diversos rios e uma grande variedade de pescados.
Transformar elementos soltos em um prato harmonizado, com equilíbrio e sabor, necessita, por exemplo, não apenas de habilidades e técnicas, mas principalmente de um importante tempero: amor, dedicação e calma. E são com esses ingredientes que a defensora pública de Rondônia Ilcemara Sesquim prepara seus pratos. "Com o passar dos anos, passei a me interessar não apenas por experimentar as delícias mundo afora, mas também por tentar reproduzir as receitas, entender a preparação, os ingredientes usados e a técnica envolvida. Tenho especial predileção pela culinária italiana e francesa", conta.
Huuuum, essa entrevista vai dar água na boca! Confira na íntegra:
ANADEP -
Há quanto tempo você é defensora pública? Por que decidiu ingressar na carreira? Como foi este ingresso?
Sou defensora pública há sete anos e, ao contrário do que ocorre com alguns colegas, não tive esse amor à primeira vista pela Instituição. Terminei a faculdade em 2008 e saí com a ideia fixa de seguir o caminho da magistratura. Na época, era agente da polícia civil e cheguei a me licenciar para atuar como assessora de juiz, para me familiarizar com a carreira e verificar se realmente era aquilo que eu queria. No meio do caminho, percebendo que a magistratura não era para mim, prestei um concurso para delegada. Passei e fiquei quase quatro anos atuando na função, mas embora fosse um trabalho prazeroso, ainda sentia que não estava onde deveria.
Justamente no meio dessa crise existencial quanto à carreira, conversando com uma antiga professora, surgiu a ideia de estudar sobre a Defensoria Pública. Conforme eu fui entendendo mais profundamente a essência da Instituição, as dúvidas sobre a carreira foram se dissipando. Era na Defensoria o meu lugar.
Assim, depois de algum tempo revezando o trabalho na polícia com as horas de estudo, fui aprovada no concurso e, desde 2013, tento fazer a diferença na vida dos assistidos.
Atendimentos realizados no projeto Defensoria em Movimento
E a sua história na culinária, como começou? Você fez algum curso?
Nunca fiz curso, mas tenho contato com a culinária desde muito nova. Não venho de uma família abastada financeiramente, então aprendi a cozinhar ainda na adolescência, pois era essa uma das minhas tarefas em casa. Com o passar dos anos, o que antes era uma obrigação passou a ser um prazer e as preparações foram ganhando novos sabores, texturas e cores.
Preparando os ingredientes
Bolachas caseiras com cobertura de merengue italiano
O que você mais aprecia na culinária brasileira?
A mistura, muitas vezes improvável, de ingredientes. A cozinha brasileira é incrível, principalmente porque aproveita muito bem os regionalismos, incorporando ingredientes sazonais e específicos à pratos clássicos. A criatividade na releitura de receitas consagradas torna nossa cozinha única, com um potencial imenso.
Nhoques ao molho pesto de castanhas
Quem vai a Rondônia ou à Região Norte, não pode deixar de comer o quê?
Acredito que poucos estados demonstram tão bem a diversidade pessoal e cultural quanto Rondônia. Somos um estado jovem, com uma população vinda de várias partes do país e a variação, até dentro do próprio estado, é enorme. Consequência disso é que não há um ou outro prato essencialmente típico do estado, mas uma mescla de técnicas e receitas espetaculares. Em certa medida, Rondônia incorpora os pescados típicos da região norte, o açaí e outros produtos regionais, como cupuaçu e castanhas. É com base nesses ingredientes que a cozinha rondoniense está sendo construída. Exemplo disso são as peixadas de Tambaqui, peixe comum na região, e as sobremesas espetaculares, como o cupuaçu.
De onde vem sua inspiração? O que sai da sua cozinha?
Principalmente das viagens. Há alguns anos tenho o hábito de viajar, inclusive escrevo regularmente sobre viagens no blog https://elavamosnos.blog.br/, que agora também está voltado para culinária. Durante as viagens, a gastronomia sempre foi um ponto muito forte, tanto que dificilmente visito um lugar sem antes fazer uma pesquisa sobre a culinária local e sem uma visitinha nos supermercados.
Com o passar dos anos, passei a me interessar não apenas por experimentar as delícias mundo à fora, mas também por tentar reproduzir as receitas, entender a preparação, os ingredientes usados e técnica envolvida. Consequência disso é que, quanto mais viagens, mais extenso e diversificado fica o cardápio da minha cozinha.
Tenho especial predileção pela culinária italiana, o que significa que as massas e risotos são presença garantida por aqui. Há alguns anos passei a me interessar um pouco mais pela gastronomia francesa, em especial pela pâtisserie, o que deu lugar a uma onda de sobremesas.
Croissant
Você tem admiração por um chef em especial?
Não tenho. De fato, sou adepta do movimento relacionado à qualidade na alimentação. Então, chefs que se engajaram nesse movimento, de comer comida de verdade, valorizar os ingredientes orgânicos e frescos, sempre ganham meu coração.
Durante o período de isolamento social, você aprendeu a fazer alguma nova receita?
Pão de azeitonas e alecrim, com fermentação natural
Essa situação que estamos vivendo desperta o melhor e o pior das pessoas. Ninguém passa por isso sem que experimentar alguma mudança. No meu caso, da vida agitada que levava, veio de repente a calmaria. Passei a trabalhar de casa e as atividades sociais foram drasticamente reduzidas.
Com isso, o tempo passou a ter outra conotação e isso casou muito bem com a minha ideia de que cozinhar é muito mais do que apenas preparar alimentos. Envolve uma calmaria, uma disposição em amar e se entregar.
Seguindo essa linha, bem no início da pandemia, resolvi quebrar uma barreira existente e decidi tentar a aprender as magias da panificação. Nunca fui muito boa com pães e afins. Já tinha certa experiência com outros pratos, mas os pães eram uma decepção.
Já que estava com mais tempo disponível, decidi que tentaria usar fermentação natural. Aí veio o detalhe mais difícil dessa jornada. A fermentação natural envolve ter o fermento (Levain) e eu não tinha. Não apenas isso, não conhecia ninguém que tivesse uma amostra de Levain para dividir comigo. Assim, o projeto panificação deu origem ao pré projeto Levain.
Depois de meses de desastres, pois o processo para o levain é longo e delicado, consegui criar o fermento, que, inclusive, é o que uso até hoje. A partir daí, depois de uma infinidade de erros e acertos, a magia do pão aconteceu e o que era motivo de frustração se transformou em orgulho. Nada melhor que um pão quentinho para compartilhar com quem amamos.
Pão de ervas e pimenta
Como você concilia a atuação da Defensoria com os seus talentos? Cozinhar pode ser uma forma de aliviar as tensões?
Costumo brincar que sou defensora, blogueira e cozinheira. É obvio que a atuação profissional da minha vida é a Defensoria Pública. Bem por isso, grande parte do meu tempo é dedicado à Instituição, que, de fato, representa quase um sacerdócio. Mas é na cozinha que resolvo meus momentos de angústia e cansaço mental. Não tenho dúvidas de que a cozinha é meu divã. Enquanto estudo sobre gastronomia, executo as receitas e tento aprimorar as técnicas, nada me abala. É como se atrás do balcão da cozinha eu fosse inatingível.
Cupcake com cobertura de creme e raspas de limão
E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública?
Nossa Instituição, se comparada às demais, é ainda uma jovenzinha. Isso é maravilhoso, porque nos dá possibilidade de amadurecer, mudar os rumos, tomar decisões em vários sentidos. Mas nem só de vantagens se faz a juventude.
Uma das principais consequências disso é que a Defensoria ainda precisar se afirmar e se fortalecer. É preciso ocupar os espaços constitucionalmente cedidos, alcançando todas as comarcas do país, para que as pessoas mais vulneráveis não sejam preteridas em seus direitos.
Além disso, é importante que a Instituição se coloque de modo firme ante as gravíssimas violações de direitos que ainda ocorrem diuturnamente, sob pena do nosso papel, tão representativo, acabar caindo no vazio.
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