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Nº 047 - 2 de julho de 2020
Laércio Fusco Nogueira
Quer ouvir uma unanimidade? Pergunte para uma pessoa o que ela mais gosta de fazer. Grande parte das respostas será: viajar. Os motivos podem parecer óbvios, afinal, é muito interessante fugir da rotina, desprogramar o despertador ou comer sobremesa no café da manhã. É uma oportunidade especial para otimizar toda uma vida, muitas vezes, presa a tarefas contínuas.
 
Assim, viajando, o defensor público de Minas Gerais Laércio Nogueira expande horizontes, conhece novas pessoas, amplia laços afetivos e, acima de tudo, constrói memórias. Só que ele faz isso de moto e a sensação de liberdade ao pilotar uma moto é o combustível que move muitos dos apaixonados pelas duas rodas.
 
Em suas aventuras, Laércio já conheceu diversos lugares no Brasil e no exterior. A mais marcante: a do Deserto do Atacama, que virou até um livro. E como toda boa viagem, passamos por situações inusitadas, como conta o defensor na entrevista abaixo.
 
Confira:
 
 
 
ANADEP - 
Por que decidiu ser Defensor Público? Como foi este ingresso?
Ingressei na Defensoria Pública de Minas Gerais em 1996. Havia me formado em Belo Horizonte pela Faculdade de Direito da UFMG em 1991 e retornei para minha terra natal, Campanha, para advogar e ao mesmo tempo me preparar para concursos públicos. Dentre os vários concursos que fiz para Ministério Público, Magistratura e Advocacia do Estado, o da Defensoria Pública ofertava vaga justamente para minha cidade, o que acabou sendo um dos motivos que me levou a me dedicar com mais afinco a ele. Desde então continuo lotado na Comarca da Campanha, terra de Vital Brazil - Vital Brazil -médico cientista, imunologista e pesquisador biomédico brasileiro de renome internacional - que não tinha Defensoria Pública instalada desde então.
 
 
Recebendo a Medalha Desembargador Hélio Costa, na Comarca da Campanha, conferida pelo TJMG.
VIAJAR é um verbo bem presente na sua vida. Mas vai além: é viajar de moto! Como surgiu essa ideia? Você viaja sozinho?
"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou tv. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas próprias árvores e dar- lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser." Amyr Klink
 
Este trecho de umas das obras de Amyr Klink creio que demonstra a exata percepção do verbo VIAJAR. VIAJAR, na realidade, é um estado de espírito. Antes mesmo de ser uma viagem ‘para fora’, é uma viagem ‘para dentro’. Independentemente de como se vá, o importante é VIAJAR. Porém, no meio do motociclismo costumamos dizer que quando se vai de carro, ônibus ou avião você contempla a paisagem, mas se vai de moto, você faz parte dela.
 
Motos estão em minha vida desde cedo, quando ganhei do meu pai aos 12 anos, um pequeno ciclomotor. De lá para cá estive sempre sobre duas rodas. As longas viagens sempre foram um sonho, que os compromissos profissionais e familiares acabaram postergando por um bom tempo. Até que a partir de determinado momento senti que seria inadiável realizá-las. Primeiro fazendo viagens dentro do estado de Minas, depois alçando vôos mais longos até chegar a viagens internacionais. Na grande maioria das vezes, acompanhado de amigos ou, com grande frequência, de meu irmão Luciano, que me acompanhou para a viagem que fizemos ao Deserto do Atacama em 2017.
Qual moto você realiza a viagem? É necessário algum modelo específico? E as manutenções?
Por opção própria, a grande maioria das viagens longas fiz pilotando uma moto da marca Americana Harley Davidson. Sou fã da marca, porém somente a partir de 2005 concretizei o sonho de possuir uma e de lá para cá sempre utilizo as HD’s para as viagens. Mas as viagens de motos podem ser realizadas com qualquer modelo, independentemente de marca ou tamanho, mas sempre atento à adequação do veículo ao roteiro desejado. Com manutenção adequada e bom planejamento nada é impossível.
 
 
Vulcão Licancabur. Cordilheira dos Andes. Chile.
Quais lugares do Brasil (roteiros) você já conheceu nesta aventura?
Em território nacional já fiz inúmeras viagens, principalmente dentro do estado de Minas e interior de São Paulo, além do sul do país. Conheci lugares icônicos para o motociclismo, como a Serra do Rio do Rastro, na Serra Catarinense; ‘Rastro da Serpente’, no Paraná, dentre outros. Ainda estou devendo uma viagem para o Nordeste, que conheço muito pouco.
Qual foi a sua viagem preferida? Conte mais sobre ela.
As viagens em solo nacional acabam sendo um aperitivo para alçar vôos mais altos,para lugares que são considerados indispensáveis para todo motociclista de longa distância, como o Deserto do Atacama, no Chile; Ushuaia, na Patagônia Argentina; Machu Picchu, no Peru; Route 66, nos EUA, dentre outros roteiros fantásticos, que estão na minha alça de mira.
 
A primeira que realizei entre dezembro de 2017 e janeiro de 2018 para o Atacama posso considerar como o marco inicial para os grandes projetos.
 
Naquela oportunidade, eu e meu irmão viajamos 9.346 km em 17 dias, saindo do Brasil por Foz do Iguaçu, seguindo pelo chaco Argentino até a cidade de San Pedro de Atacama, cruzando a Cordilheira dos Andes. Descemos até Santiago e retornamos por Mendoza, já na Argentina, regressando ao Brasil por Uruguaiana/RS.
 
Foi uma viagem inesquecível! Conhecemos lugares incríveis e outros povos, com suas características peculiares, que me trouxeram um grande crescimento interior, aprendendo a lidar com as dificuldades da viagem, inclusive da língua. Costumo dizer que viajar de moto é o meu ‘remédio tarja preta’. O problema é que ele tem que ser administrado com frequência, senão não faz efeito.
 
 
Vale de la luna. San Pedro de Atacama. Chile
Já passou por alguma situação inusitada pelas estradas?
Em todas as viagens de moto que já fiz, sempre algum acontecimento inusitado me surpreendeu. A viagem para o Atacama, principalmente, pela sua extensão e duração, nos colocou à frente de muitas dificuldades, como a oscilação térmica e de altitude. Em um mesmo dia fomos de 1.500 metros de altitude para 4.900 metros; de uma temperatura de 4 graus Celsius para mais de 35 graus no meio do Deserto do Atacama.
 
Essa grande variação de altitude pode muitas vezes acometer o viajante do chamado ‘mal da montanha’ (soroche), que pode causar desde uma simples dor de cabeça a um acidente vascular cerebral. Como estava bem preparado física e psicologicamente, não sofri grandes consequências, além de uma dor de cabeça persistente no alto da cordilheira dos Andes, a 4.900m.
 
Nunca passei por grandes dificuldades em um passeio de moto e isso atribuo ao bom planejamento, essencial para longos percursos, que, se não evita o inesperado, diminui as suas conseqüências. Reputo que seja mais interessante em qualquer viagem, além de conhecer lugares novos, é interagir com o povo local. Sempre somos abordados pelos locais, curiosos em saber sobre as motos e a viagem. É um exercício de convívio importantíssimo não só para as pessoas do local, mas principalmente para o próprio viajante.
 
 
Paso de Jama. Cordilheira dos Andes
Quais as dicas para montar um roteiro?
Por menor que seja o roteiro que se deseje fazer, o planejamento é essencial. E um bom planejamento requer tempo. Vai desde a escolha do momento correto, da preparação da moto, equipamento, documentos, etc....passando pela pesquisa dos locais a serem visitados, até o planejamento do próprio retorno. É um erro pretender chegar em determinado local, dar meia volta e simplesmente retornar, sem apreciar também o roteiro de volta. Já que está na estrada, aproveite até o último minuto.
Você escreveu o livro "Los Hermanos Fusco - por las carreteras de Fuego". Sobre o que a obra conta?
 
Este livro conta justamente as minhas percepções sobre a viagem que fiz em companhia de meu irmão para o Deserto do Atacama. Sempre tive vontade de escrever um livro e vi nessa viagem uma oportunidade de fazê-lo. Durante ela fui anotando em um caderninho ao final de cada dia os detalhes da viagem, o que tinha vivenciado e sentido naquele dia. Chegando em casa procurei transcrever de uma forma fidedigna tudo que vivenciei naqueles 17 dias.
 
Não se trata de um livro padrão de roteiro de mototurismo, mas uma narrativa de viagem, que procurei fazer de forma fluida, de maneira a induzir o leitor a colocar o pé na estrada.
Agora, quais são os próximos planos? Já tem algum destino previsto?
Como eu disse, todo remédio de ‘faixa preta’ tem que ser administrado com frequência e de forma contínua. Infelizmente, a pandemia do COVID-19 me fez adiar a viagem que estava programada para o mês de maio de 2020 para fazer uma viagem por um trecho da lendária Route 66, nos EUA, entre as cidades de Los Angeles e Las Vegas, passando pelo Grand Canion e outros lugares especiais, sempre pilotando uma HD.
 
Provavelmente somente vou conseguir concluir esse roteiro no ano que vem e esse ano as outras viagens planejadas dentro do Brasil também devem ser adiadas.
 
Existem outros roteiros também em mente que demandam uma programação maior pelas distâncias e dificuldades: Ushuaia, Machu Picchu, Museu da Harley Davidson em Milwaukee nos EUA, além de outros pelo Brasil, que é muito grande e que conheço muito pouco.
 
E, por fim, o que você acha que precisa ser feito para o fortalecimento da Defensoria Pública?
Como tenho 24 anos de Defensoria Pública, passei por todas as etapas de crescimento da instituição e presenciei o grande desenvolvimento experimentado durante esses anos.
 
A Defensoria Pública cresce exponencialmente como efetivo órgão garantidor a todo cidadão do sagrado direito constitucional ao acesso à justiça, reconhecida em todas as esferas de governo.
 
A estrutura da Defensoria Pública tem melhorado ao longo dos anos o que permite um número crescente de atendimento ao hipossuficiente, porém necessário se faz garantir uma ampliação ainda maior do seu alcance, fazendo chegar àqueles que efetivamente necessitam de amparo jurídico, sem nenhum viés político.
 
O isolamento social que nos foi imposto pela pandemia do COVID-19 gerou a necessidade de implementação de novas maneiras para o atendimento das demandas, como a ampla utilização de instrumentos tecnológicos, teletrabalho, redes sociais, que se mostraram extremamente eficazes. Creio ser um caminho sem volta e que deve ser trilhado de forma definitiva diante da nova realidade que nos espera após esse período conturbado, de onde retiramos novos e grandes ensinamentos para nossas vidas.
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