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Nº 22 - 06 de outubro de 2014
Klester Cavalcanti

Autor do livro “Dias de Inferno na Síria”, obra vencedora do prêmio Jabuti/2013, o jornalista Klester Cavalcanti será uma das atrações da 4ª edição do Seminário da ENADEP, que acontece nos próximos dias 9 e 10 de outubro, em Florianópolis, SC. Ele falará, já no primeiro dia do encontro, sobre sua incursão nos conflitos na Síria, onde entrou, em maio de 2012, pela fronteira com o Líbano, com a missão de registrar a realidade da guerra civil iniciada no país em 2011. A ideia de acompanhar a ação dos rebeldes que lutam contra tropas do ditador Bashar Al-Assad no epicentro do conflito, a cidade de Homs, para uma reportagem para a Revista Isto É, porém, acaba sendo frustrada, e o jornalista é preso e vítima de tortura.  “Entrei na Síria como imprensa com a intervenção da Embaixada do Brasil, mesmo assim, sem ter feito nada de errado, sem ter sido acusado de nenhum crime, fui preso com todos os meus direitos violados. Nem um telefonema pude dar”, relata.

A experiência que resultou no livro, sua relação com a realidade brasileira, contexto contemporâneo internacional e com a atuação dos defensores públicos foi tema para entrevista em que Klester adianta um pouco de sua fala durante o Seminário. “Na Síria, o número de pessoas presas é muito grande, mas lá ainda há uma situação de guerra, conflito, combate entre exércitos. Aqui, temos um conflito social que tem feito vítimas no cotidiano. Algo que não muda e só piora”, comparou.

Klester já trabalhou em alguns dos maiores veículos de comunicação do Brasil, entre eles Veja, Vip, Estadão e Isto É. Conquistou prêmios de relevância internacional, como o de Melhor Reportagem Ambiental da América do Sul, conferido pela agência Reuters e pela IUCN (união Mundial para a Natureza) e o Natali Prize, o mais importante premio de direitos humanos do mundo. Já foi agraciado, também, com  o Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos e com o Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo. “Dias de Inferno na Síria” é seu quarto livro, e estará à disposição para aquisição com desconto ao público do Seminário. O autor publicou ainda “Direito da Selva”, “Viúvas da Terra” e  “O Nome da Morte”, sendo os dois últimos também vencedores do Jabuti.

ANADEP - 
Durante o período em que esteve na Síria, você presenciou e até protagonizou uma série de violações aos direitos humanos mais básicos. No que você acredita que seu testemunho sobre a situação de uma área de extremo conflito se aproxima ou pode contribuir com a realidade vivida hoje pelos defensores públicos brasileiros?

Eu acho que temos os dois lados neste caso. Primeiro porque o trabalho dos defensores públicos é fazer algo por pessoas menos favorecidas, que não tem voz ativa, que têm seus direitos desrespeitados. Algo que eu como jornalista quis narrar durante a minha viagem na Síria. Vemos que muitas pessoas não sabem dos seus direitos e, aqui no Brasil, vemos também que poucas pessoas têm noção dos seus direitos também ligados à igualdade e à justiça.

Quando fui para lá, queria mostrar para o mundo todas as violações que as pessoas estavam passando por viverem numa área que está em guerra. Lugar onde tem gente inocente morrendo; sendo presa.  E eu vivi isso na pele: entrei na Síria como imprensa com a intervenção da Embaixada do Brasil, mesmo assim, sem ter feito nada de errado, sem ter sido acusado de nenhum crime, fui preso com todos os meus direitos violados. Nem um telefonema pude dar. 

Sabemos que algumas realidades regionais brasileiras em muito se parecem com verdadeiras zonas de guerra, totalmente abandonadas pelo Estado. Que violações você identifica em solo brasileiro que são comuns ao cenário visto na Síria?

Viajo muito pelo Brasil tanto nas grandes capitais quanto o interior. E não adianta a gente querer fingir e/ou omitir sobre a maneira como a polícia age no Brasil. Hoje vemos que um policial prende uma pessoa na rua e acabou. Isto é uma situação absurda. Hoje nosso país tem mais de 40% de presos provisórios. Temos um sistema carcerário falido. Gente que fica em uma cadeia sem ter sido julgada, sem ter tido um inquérito policial instaurado, presos de maneira incorreta. E ao final, ainda nos deparamos com uma situação ainda mais alarmante: a maior parte das pessoas presas é pobre.

Na Síria, o número de pessoas presas é muito grande, mas lá ainda há uma situação de guerra, conflito, combate entre exércitos. Aqui, temos um conflito social que tem feito vítimas no cotidiano. Algo que não muda e só piora.

Há 15 dias, vimos uma notícia de um policial que matou na rua – e de dia – um ambulante, no centro de São Paulo, à luz do dia e com a presença de testemunhas. Algo que só veio à tona porque foi em uma grande capital e porque tinha a presença de muitas pessoas.

Eu fui correspondente da Revista Veja Amazônia durante muito tempo. Ficava meses no interior. E presenciei muitos casos de violação como estes. Questiono-me: E no interior e em outros locais que acontecem crimes como este e não são de conhecimento público? O que vemos é que estas violações acontecem com pessoas extremamente pobres e com falta de acesso à educação e à informação.

Em seu livro Dias de Inferno na Síria, você relata com detalhes condições e formas de aprisionamento e torturas praticadas em plena guerra. Podemos dizer que nossas cadeias são comparáveis ao que você viu por lá?

Comigo foi diferente e não dá para comparar. Eu fiquei preso numa ala para presos não-perigosos. Na ala onde fiquei não houve nenhuma violência. Mas das alas maiores, as quais eu não tinha acesso, ouvia-se muito barulho, gritaria e quebra-quebra.

Durante o período que fiquei lá fiz muitos amigos. Pessoas, que na maioria foram presas como eu – sem algum motivo – entre outras questões. Fui muito bem acolhido pelos companheiros de cela. Foi uma experiência humana muito rica. 

De que forma, na sua opinião, o jornalismo, especialmente a cobertura de pautas de denúncia, se relaciona ou pode se aproximar ainda mais da atuação da Defensoria Pública no que se refere à defesa dos direitos humanos?

O trabalho do jornalismo não pode ser feito sem fonte, que é a nossa essência. Jornalismo sem fonte não é nada. Assim, os defensores têm que ser também. Eles têm que identificar casos e mostrar isso para a imprensa para que se torne público. O trabalho dos defensores envolve muitas histórias, muita coisa bacana. A sociedade tem que ter conhecimento deste trabalho também para que ela possa procurar a Instituição. 

Mais do que reportar a guerra, você esteve inserido nela, e, quando preso, esteve nas mesmas condições das vítimas do conflito. Por isso seu livro narra a ação na Síria a partir de uma percepção do cidadão, no caso também jornalista. Você acredita que podemos ter relatos e atuações mais humanas quando tanto jornalistas quanto defensores, ou quaisquer outros profissionais, deixam suas zonas de conforto e colocam-se ao menos próximos ao lugar do outro?

Sempre. O defensor público tem que entrar na história também para entender melhor o lado da pessoa que ele está defendendo. Isto vai dar um novo parâmetro para o seu trabalho. Algo que deve ser feito in loco, tal qual fazemos no jornalismo. Se eu ficasse de São Paulo escrevendo sobre coisas que aconteciam do outro lado do mundo jamais teria noção do que as pessoas lá passam no seu dia a dia. Jamais teria uma visão tão ampla.

O defensor, neste sentido, tem que se entregar para valer. Ouvir, familiarizar-se e entender as particularidades de cada história. Tentar o caso pelo lado humano e não seguir a formalidade e apenas a burocracia rotineira. 

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